Não há nada de novo sob o sol, mas há novos sóis*

Segunda de agosto, nosso dia, nosso mês. Conversava com Maurício, capricorniano nato, sensível, carioca e mais um dos amores que cultivo de longe, e sinto de perto. Fizemos uma ligação, uma daquelas que quando termina é leve e risonha, mas carregada de facões no seu desenrolar.

Mau se encontra no ponto que eu e tantos outros artistas compartilham, de fazer das nossas imagens reproduzidas em telas quadradas, um tipo de resgate provedor de existência artística, de circulação afetiva, mas que carece em ser democraticamente acessível. Do que se apresenta a nossa frente, e de como isso pode vir a se tornar, é o que nos intriga: seria um pesadelo cyborg?! Uma realidade inabitável, só de pensar em como as instituições, assim como os grandes festivais podem deslocar o interesse em realizar seus eventos contando com os algoritmos online, do que os algoritmos carnais, ou melhor corrigindo, com pessoas.

Falamos também dos tipos de elaborações requisitadas para se participar de determinados editais, nada novo sob o sol… um material inédito nesse contexto de confinamento, como se o artista realizasse algum tipo de mágica; – e realmente, trabalhamos com um tipo de encantamento, trabalho como qualquer outro, mas cada vez mais precarizado e árduo; trabalhamos para ficar na berlinda entre o sim e não, independente de, e do que temos, fazemos e de como isso demanda tempo, prática, ensaio, pesquisa e também dinheiro, (investimos nas nossas apostas mesmo que em sua grande maioria, sem recurso prévio). Mau se sente bem mesmo quando estamos maus, e também partilho do mesmo, de um jeito ou de outro, sempre estamos a fazer e dar corpo às nossas questões. O confinamento deslocou em algum lugar o nosso corpo para outras maneiras de continuar a fazer, nos adaptamos e isso já diz muita coisa… Ser artista no Brasil parece ser um privilégio. Soa burguês. Soa violento. E aqui não basta ser, é preciso agenciar para poder se fazer viver. Cortando o climão crítico, ouço gritos no fundo da ligação, era o companheiro de Mau, preparando o set de casa para a peça Safe & Comfort que ia acontecer minutos a seguir. Rimos muito, com a preparação em tempo real/virtual, e de como era louco eu já estar ali sem ter sido convidada, e logo inserida na sala, com um link do zoom. Mau fala da alegria de poder ir comprar a pasta de amendoim na Casas Pedro, uma dessas de alimentos naturais, e eu lembro com gosto na boca da banana cristalizada que comíamos nos corredores da UFRJ.

O terreno cyborg nunca dará conta do suor, do vento, da carne, do gosto, da superfície mais profunda que nos apresenta… afinal, algoritmo não é pele.

*Frase título retirada de Parable of the Trickster, final da série de parábolas, Octavia Butler.  

950 950 Editor
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