Como levantar debates e reflexões sociais sem esquecer seus recortes e interseccionalidade? Como eliminar o racismo institucional, o machismo e a transfobia que ainda é problemático no meio LGBT?
Como construir lutas sem esquecer as narrativas e as vivências pessoais? E as questões de gênero, classe, território e raça?
Como criar mecanismos para que mais vozes sejam ouvidas? Que mais experiências possam ser compartilhadas?
E como, a partir dessas demandas – oriundas das parcelas mais vulneráveis da sociedade -, criar redes de apoio mútuo para o fortalecimento e articulação em prol de mudanças?
Esses foram os principais questionamentos expostos na atividade Vivências interseccionais: LGBT e negritude, uma das propostas contempladas no #CircuitoLABxS 2018.
A atividade aconteceu no dia 12 de maio, na sede do Lab Santista, e foi marcada por uma série de conversas, mediadas por Ornella Rodrigues, Feminista negra e educadora social; Natt Maat: Rapper e beatmaker da região e ativista trans; Juliana Florentino, Assistente Social e ativista do coletivo Ecoa Preta; Sal Esaú, Feminista negra e ativista do coletivo de mulheres lésbicas e bissexuais Não Desculpo; e Fabrício Dias, Artista visual, graduando de comunicação social e ativista autônomo.
Para relatar a atividade do dia, coletamos depoimentos dos participantes e separamos frases de pensadores negros que foram apresentadas e debatidas na roda de conversa:
Fabrício Dias, 27, artista visual, tatuador e proponente do projeto
“Falamos em interseccionalidade porque o meio LGBT ainda é muito elitista, machista e transfóbico. Ainda reproduz os preconceitos do meio heteronormativo hegemônico. Para nós é importante tratar a questão racial e social. Um gay, uma mulher lésbica ou mulher trans que mora no Jóquei Club ou México 70 não é a mesma pessoa que mora no Gonzaga.
Quando a gente se afirma LGBT, não podemos deixar de pensar na questão racial, afinal vivemos no Brasil. E aqui, infelizmente, ainda impera o Eurocentrismo, do quanto mais branco melhor. Temos uma população negra que não se vê em espaços de poder político, universitário, entre outros.
Estamos criando esses debates para nos empoderarmos como pessoas LGBT e negras da periferia”.
“Minha sexualidade é parte integrante do que eu sou, e minha poesia é produto da intersecção entre eu e meus mundos” – Audre Lorde
Sal Essaú, organizadora de brechó, assessora e produtora do Desculpa Qualquer Coisa, militante do coletivo de mulheres lésbicas e bissexuais Não Desculpo e DJ
“Eu não consigo viver sem pensar em questões raciais. É isso que move minha vida, as dificuldades e facilidades. Tudo que amo, do meu ser, está relacionada à questão racial. Ao mesmo tempo não consigo desvincular da questão de também ser lésbica. Foi um empoderamento. Algo que me engradeceu muito como mulher. Não consigo separar ou encontrar diferenças. São duas coisas que estão juntas.
Afinal, não consigo entrar em um emprego se me demonstro negra ou lésbica. São essas coisas que movem meu mundo. Como vou separar se as duas coisas, ser mulher e negra, está junta? Não é o mesmo assunto, mas não consigo viver somente uma. E elas acabam juntando-se.
Além disso, como mulher negra, o que a gente não tem que debater? Em quase todos os problemas mais urgentes da sociedade, somos vulneráveis. Desde especulação imobiliária – por exemplo, vi várias negros, mulheres negras e mulheres negras lésbicas no acampamento do prédio ocupado que desabou em São Paulo – até drogas e saúde porque tudo influencia nossa vida”.
Juliana Florentino, assistente social e fotógrafa
“Eu trouxe informações sobre o que é ser mulher negra na sociedade e como funciona o Ambulatório Trans no Guilherme Álvaro (hospital de Santos-SP) e também conversamos sobre racismo e sociedade com recorte em saúde mental – como opressões contra mulheres negras, população trans, LGBT, ocasionam em depressão e outros problemas de saúde.
Também da importância do trabalho em rede e articulação entre políticas para que o usuário e os serviços dos equipamentos tenham garantias de direito efetiva.
Estar aqui hoje entre amigos, pessoas queridas e desconhecidas – que se tornaram conhecidas agora – e que trazem o mesmo olhar e preocupação sobre garantia de direitos das população trans e pessoas negras. Conversa que enriquece e só tem o que acrescentar”.
“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” – Angela Davis
Nat Matt, 25, rapper e beatmaker
“Foi muito importante participar, principalmente para poder constatar as demandas necessárias e mais urgentes, que são realmente para a população preta e LGBT. E eu, por ser trans, LGBT e negra, entendo que é muito importante expor a urgência das nossas demandas. Porque a transgenidade e a negritude são pautas que não são muito faladas. O racismo transfobia necessitam entrar nas pautas e de mais explicação e informação.
Mesmo dentro da comunidade LGBT, a gente não vê muitas pautas relacionadas diretamente a pessoas trans negras ou bissexuais negras, por exemplo. É sempre voltada ao gay e a lésbica e principalmente as pessoas brancas.
Eu vejo minha história que minha história pode agregar informação. Porque a partir da minha história você pode entender essas demandas mais urgentes e pensar na falta de políticas públicas específicas.
Sou rapper, beatmaker, nasci no Morro da Cachoeira, em Guarujá. Sou periférica, favelada, preta, pobre e com os poucos recursos que tive – semi recursos na verdade – produzi de forma independente e autoral um CD.
Todas as vezes que entro em um evento me sinto uma pessoa, me sinto viva. É importante adentrar esses espaços. Por mais que tenha privilégio, de ter a música que me permite adentrar esses espaços, acredito que é um passo que dou para outras pessoas. Para que elas possam perceber que é possível produzir e adentrar esses espaços”.
“Não pode ser seu amigo quem exige seu silêncio ou atrapalha seu crescimento” – Alice Walker
Rafaela Silva Peixoto, estudante e maquiadora
“Me senti muito feliz e satisfeita. Com certeza saí com outra mente. Aprendi muito com essa pequena conversa. É muito importante e o que falta em vários espaços que a gente ocupa, é o que temos que focar mesmo. Espaço de troca, troca de informação e vivência.
Vou lembrar para o resto da minha vida, falar para o pública, realizar o sonho de cantar. Contar minhas história e falar um pouco de mim significa muito e pode também significar para outra pessoa presente”.
Clodoaldo, a primeira drag queen de Santos, Klô Mello
“Foi legal porque tive um dia livre em minha agenda geralmente trabalho de festas de sábado pela tarde. Trabalho em festas, em chás de bebes, aniversários. Eu amei, adorei minha tarde, adorei o coletivo, quero vir mais vezes. Já sugeri um workshop de maquiagem. O que puder agregar vou ser muito feliz.
Por ser a primeira drag da cidade já tenho uma certa idade, comecei há 30 anos. Eu vim com receio, como vou me deparar com a nova geração com as pessoas que estão chegando?E foi maravilhoso, fui bem recebido, bem tratado e acolhido.
Desde o momento o que cheguei só alegria, novos amigos e amigas”.