A dor é universal, a busca um plano de fundo

Em uma modernidade avassaladora como a qual somos constantemente biovigiados pelos modos de controle estatais, digitais, tenho me afastado em uma boa medida de tempo das redes online, mesmo sabendo que elas nesse contexto virótico são parte essencial do homeoffice – reuniões e caça aos editais que beiram a disputas em formato de sistemas excludentes, nomeados como “chamadas abertas de auxílio à artistas”. A quantidade de informações coletadas e a ordem algorítmica do feeds de notícias por exemplo, me obrigaram a driblar essas plataformas e passar dias traçando metas surreais e alargando o tempo para tarefas mais reais. Em uma das janelas de tempo, migrei para o antigo rádio como companhia semanal ao cozinhar, acompanhando alguns debates, mas mais interessada em uma discografia oitentista. Afinal, é preciso criar alguns atalhos nesse momento para não se afogar. E pelo pouco que ando acompanhando, (mas já presumido) nessas pausas radialistas informativas, o assunto passa do números de mortos pela covid-19 para o número que importa, a eles claro, a economia. A queda, a crise retórica nos órgãos governamentais e econômicos colapsados e a extensão de discórdia sobre a infraestrutura hospitalar em algumas regiões do Brasil, como se inicia em Manaus – onde a questão é sobre a escolha de quem respira e quem deixa de viver, e o destino à espera em valas para atender a demanda crescente de corpos que não resistiram ao contágio.

Se parte da população consegue ter a condição de se encontrar em casa, com suas ansiedades sobre o amanhã e suas pequenas saídas “safas”, e outra se dedica e se arrisca para ter a possibilidade do mínimo de condição para conseguir dar aos seus familiares a segurança sobre ficar em casa, e ainda quem espera o auxílio emergencial sair, e experimenta o sufoco do afastamento do trabalho com receio de um presente/futuro burocrático que não perdoa a ausência de efetividade para pátria amada. Sem contar os moradores desabrigados que fazem da rua a sua casa. Já pressupomos quem irá constar na necroestatística dentro dessa gama-bomba heterogênea, quando o período de isolamento deveria ser parar.

Hannah Arendt, em seu livro The Human Condition que há de falar: “o que é peculiar é que, ao contrário dos espaços que resultam do trabalho de nossas mãos, a ação não sobrevive à atualidade do movimento que a trouxe ao mundo (…) mas a paragem das próprias atividades”.

É quase uma impossibilidade coletiva, mas uma possível resposta, parar enquanto ato político e não como modo estagnado. Fato é, quando se para, as imagens de conflito do mundo aparecem, e aparecem na forma mais radical e reflexiva. Relembremos a fala de um dos empresários da rede de restaurantes fascistas, Junior Durski “Não podemos parar por conta de 5.000, 7.000 pessoas que vão morrer… as consequências que vamos ter economicamente no futuro vão ser muito maiores” ou a resposta do presidente Jair Bolsonaro ao ser perguntado sobre as mortes ocasionadas pelo vírus “Não sou coveiro, tá?”. E tantos outros lamentáveis discursos fálicos sobre essa pandemia crítica…

A política não saber lidar com a paragem. O antropoceno não reconhece respirar como uma ação potencial política. O país tenta desviar da morte diária, e ainda assim aposta em uma reativação parcial de seu automatismo capitalista. Eles discursam um movimento inanimado, eles dizem sim. SIM, em negação à vida. It’s the end of the world as we know it, como tocou na rádio essa manhã. (and I feel fine).

950 950 Editor
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