Ao redor do buraco entre paredes, tudo é beira

“Se a arte contemporânea já se manifestava enquanto crítica aos modos de destruição e um mundo apocalíptico, agora com esse contexto pandêmico… tenho que inventar algo dionisíaco, antes que eu delire”.

Essa foi a ligação mais sincera que pude ter em uma conversa com Isabela, amiga carioca das crises e feelings. Falávamos sobre outra relação espacial, para além do confinamento, recheado de bufões e outros desejos de movimentos utópicos e que podem parecer cruéis. Obviamente, não estamos a ignorar os eventos lastimáveis de desmonte desse Brasil 2020, mas a considerar a fala de Deleuze também enquanto gatilho: a suavidade de não ter nada a dizer, direito de não ter nada a dizer; pois é a condição de se ter algo rarefeito, que merecesse um pouco ser dito* 

Que isso não se confunda com algum tipo de relação de corpo fotossíntético, mas de respeito a essa palavra tão misteriosa a c o n t e c i m e n t o. Esse evento que acontece essencialmente por vias intercessoras de forças em cursos que escapam da nossa conformidade. E olhando ao redor, o acontecimento está um pouco longe de acontecer para além dos nossos imaginários e expectativas encravadas em um positivismo árduo. Ao lidar com uma solidão povoada por coisas e materialidades virtuais, a multiplicidade tecnológica para quem sempre foi do mundo tátil, parece não se apresentar como um dispositivo que consiga agenciar a criatividade, mas sim como um produtor cruel de ansiedade. Os frames, podem até surgir como o resquício de expectativas sobre tentativas de algum processo por vir, de um quase acontecimento; mas o que nos interfere nesse processo é o que não nos intercepciona nesse momento.

Enquanto conversava com Isabela, percebi um outro lado do esvaziamento de preocupações redigidas pelo nosso projeto anual de vida e que também, naquele instante, a escala de distância era a maior proximidade que tinha para poder contar.

Isabela projeta um horizonte possível a partir da fantasia dos excessos, enquanto eu penso em algo que me liberte dos rastros de angústias do presente. Discutimos sobre um tipo de força que escorrega da estrutura dominante artística. Ela  considera isso algo incapturável, eu discordo. Nosso corpo já é o maior registro atemporal que documentamos na carne, e ela contorna: É aí que acontece… essa é a graça do delírio.

*Referência retirada do livro Conversações de Gilles Deleuze, tradução de Peter Pál Pelbart, pág. 166; Editora 34.

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