Dizemos FOME, sentimos DOR.
Sentimos o estômago doer, mais uma vez, mais um dia
mais um dia não posso fazer nada, não tenho forças pra me erguer
apenas olhar o prato vazio e uma colher posto na mesa
tenho vontade de comer, mas não posso
tenho vontade de pedir socorro
mas quem vai me ouvir?
sinto fome, sinto tanta fome que meu estômago parece minúsculo
agora já não sinto mais dor, só o vazio que permeia minhas entranhas e o meu prato.
agora o que me corrói é o vazio da alma
de me sentir ninguém, de novo, com fome.
Quarto de despejo
Carolina Maria de Jesus
27 de maio
Percebi que no frigorífco jogam creolina no lixo, para o favelado não catar carne para comer. Não tomei café, ia andando meio tonta. A tontura da fome é pior do que a do álcool.
A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.
Comecei a sentir a boca amarga. Pensei: já não basta as amarguras da vida? Parece que quando eu nasci o destino marcou-me para passar fome. Catei um saco de papel. Quando eu penetrei na rua Paulino Guimarães, uma senhora me deu uns jornais. Eram limpos, eu deixei e fui para o depósito. Ia catando tudo o que encontrava. Ferro, lata, carvão, tudo serve para o favelado. O Leon pegou o papel, recebi seis cruzeiros. Pensei em guardar o dinheiro para comprar feijão, Mas vi que não podia porque o meu eastômago reclamava e me torturava.
…Resolvi tomar uma média e comprar um pão. Que efeito surpreendente faz a comida no nosso organismo! Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos.
Registro feito no Bairro Quarentenário, área periférica da área continental de São Vicente-SP em um dia de sábado, após as 15:00 próximo à feira, este homem esperou a xepa acabar para pegar os restos orgânicos.
“O recrudescimento da violência institucional, sobretudo nas periferias e áreas pobres das metrópoles, revela a utilização metódica da violência como instrumento de administração e controle social. Isto nos leva a refletir sobre a herança deixada pela colonização, pela escravidão, pelo neocolonialismo e pelas formas mais recentes de violência em massa, no Brasil e no mundo, como o genocídio da população armênia, o holocausto, o extermínio dos tutsis em Ruanda, as agressões ao povo Palestino, as violações e assassinatos nas periferias brasileiras e as recentes mortes em massa do povo preto no Brasil.”
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