COMUNIDADE PROCOMUM: QUEM SÃO AS PESSOAS QUE FLORESCEM POR AQUI?

“As mudanças só serão feitas

 se subterrâneas forem nossas cartas na

mesa Um adubo bem utilizado, faz árvore

dar fruto reformular livro velho, e em ponta

de faca dar um murro 

Seremos nossas instituições com

vocabulário próprio 

Mocambos conformados pelos nossos 

Não daremos outra face da cara 

pra quem me bate 

e depois me ampara 

sendo súbito herói 

de seu próprio vilão”

(Amanda Rosa)

Fernanda Câmara – Aflora

As datas se confundem dada a fluidez dos acontecimentos, mas após algumas consultas às redes sociais concluímos que o ano era 2016. A Fernanda, protagonista do relato que começamos agora, cursava o fim da faculdade de biologia e já possuía dentro de si sementes que a guiariam desde muito nova pelos caminhos que vamos contar nessa história. Foi neste ano que o cenário político nacional começou a transviar para o caos atual, aconteceu o impeachment de Dilma Rousseff e o sentimento de dúvida era geral e aflorado; começamos a duvidar das nossas instituições: quais direções seguiríamos? Por falar em aflorar, Aflora é um dos apelidos da Fernanda Câmara, assim como Fê que é como a chamaremos aqui.

 

Através de um convite despretensioso do professor universitário Nivaldo Silva, o Niva, que a Fê ficou sabendo que o Museu Pelé sediaria  um evento chamado “LAB.irinto”, um Encontro Internacional de Cultura Livre e Inovação Cidadã. O evento foi a ação embrionária do Instituto Procomum e contava com falas relacionadas à arte, inovação e cultura. A mistura destes elementos pode parecer  muito abstrata para alguns, mas para Fê, foi agente transformador de vida, pois foi ali, observando o trabalho de pessoas como Felipe Fonseca (@efeefe.me) e Ricardo Brasileiro(@rbrz) que ela percebeu que o fazer, que já rondava suas ideias, era possível. O LAB.irinto foi disparador para a garota que em 3 dias escreveu 60 páginas do seu  TCC abordando arte, tecnologia e biologia. Mais especificamente o uso da tecnologia 3D para o ensino da ciência. 

 

É importante contar que a Fernanda sempre foi atenta à Cultura Maker, uma evolução do “faça você mesmo” que empodera pessoas pela disseminação da cultura que prega que, dotadas das ferramentas corretas, qualquer pessoa pode encontrar soluções para problemas do cotidiano. Sendo assim, em 2012, aos 16 anos, foi uma das criadoras do Santos Hacker Clube ao lado de outros entusiastas. Ela destaca que normalmente, quando pensamos na palavra “hacker” somos remetidos a ideia de pessoas que derrubam sistemas, invadem sites e sistemas bancários anonimamente. No entanto, hackear é entender como um sistema funciona para assim conseguir alterá-lo para outros fins “Nós somos diferentes e queremos fazer as coisas funcionarem pela lente do bem”. Aliás, lente é uma palavra muito corriqueira no dia a dia do Procomum. Costumamos ouvir que “O Comum é uma lente”, mas isso é assunto para outro texto, aqui falamos da Fê.

 

Com o TCC encaminhado, Fê partiu em busca do seu primeiro emprego e como não poderia ser diferente, colocou a tecnologia a seu favor. O GIF animado feito e publicado no Facebook mostrando suas habilidades para possíveis empregadores chamou a atenção de Rodrigo Savazoni, diretor do Instituto Procomum. 

 

“O GIF era uma palhaçada, só o Procomum mesmo para me contratar”. 

 

O fato é que onde a Fernanda viu brincadeira, Savazoni viu inovação e criatividade; em outro momento da nossa conversa ela diz que todo mundo tem super-poderes e o do Savazoni é enxergar a potência das pessoas. Em 2017 a Fernanda passou a integrar a equipe Procomum, a princípio cobrindo a licença maternidade de uma das integrantes e posteriormente dinamizando projetos. 

 

Neste ano o  IP iniciava o processo de instalação da sede no local onde está hoje e a Fernanda participou de todo o processo de construção, relacionamento com a comunidade, acompanhamento de obras e outras soluções de conflitos que todo o processo de criação grandioso carrega. Envolvida na comunidade, a Fernanda também ficou responsável pelo acompanhamento dos Grupos de Trabalho e ajudou a trazer para o Procomum o primeiro deles: o GT Hacker. Mas o florescer é vagaroso e a morosidade das coisas pode ser dolorosa, a equipe do IP ainda era reduzida e não foi fácil lidar com a alta demanda de trabalho e com o envolvimento emocional com as pessoas da comunidade que começavam a se relacionar com este novo espaço. E entre algumas angústias e dúvidas, em 2019 a Fernanda acabou se afastando do LAB.  Segundo ela,  o IP a auxiliou no seu processo de identidade; ela diz que nem sabe quem seria se não fosse o Procomum. Por isso, quando ela deixou de fazer parte da equipe do IP, bateu o sentimento de desolamento e como um fim de um namoro precisou se manter afastada por um tempo até compreender que o afastamento não significava desafeto. 

 

Em  2020 o mundo vivenciou o horror da pandemia, ninguém sabia muito bem como se portar perante a situação e o Brasil foi premiado com a pior gestão possível, faltavam equipamentos para os médicos e a sensação de desespero era latente. O Comum, mais do que nunca, se tornou urgente. Fernanda foi uma das responsáveis por mobilizar o GT Hacker para que, inspirados pelo movimento Maker internacional, produzissem e entregassem mais de 2000 face shields para hospitais da região. Foi assim que a Fernanda e o LAB se reaproximaram: naturalmente e pelo bem do comum. Em 2020 e 2021 ela participou dos projetos Territórios Comuns e a sua arte foi fundamental para o processo de embelezamento do Lab. Hoje, ela é uma das peças fundamentais da nossa comunidade; lidera dois GT´s dentro do LAB: o Cultura Hacker e o Arte e Tecnologia , prototipa ideias, encabeça pesquisa e alia temas que parecem muito distantes. Fê é uma das contempladas do Fundo de Ativação do Procomum e com seu benefício realizou experimentações conciliando arte e tecnologia. Ainda pretende organizar 4 encontros investigativos a respeito dos temas que têm sondado desde o início de sua jornada no Procomum.

Aflora conta emocionada que hoje, o LAB está do jeito que ela sonhou quando colocou os pés aqui pela primeira vez em 2017. Fê entende que a vivência dentro do LAB a colocou em contato com pessoas incríveis, líderes de movimentos incríveis que lhe dão o senso de que ela pode ser incrível também. A pesquisadora tem vários super-poderes: enxergar o super-poder das pessoas, realizar sonhos e ressignificar relações são alguns dos que pude perceber numa conversa mais ou menos breve. A bióloga, apesar da pouca idade, perdeu o imediatismo que um dia já a assombrou e hoje enxerga de forma bem calma a riqueza e o valor da unicidade do que faz.

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