LAB Negritudes – Dissolver o que está posto e reconstruir novas narrativas.

Registros mostram que a população negra foi a primeira a habitar este planeta, não viemos dos escravizados, nossa história é muito mais antiga do que a que nos contam as escolas, somos descendentes de reis e rainhas, temos tecnologia, nossos métodos e formas de conduzir nossas vivências. A reconstrução desse auto-conhecimento é luta diária e fundamental. Ao longo da história, políticas eugenistas se apoiam em conceitos científicos torpes e condicionados para que sejam fundamentadas. Construir espaços em detrimento de ocupar espaços, construir narrativas em detrimento de reclamar reconhecimento é o que pretende iniciativas como as do LAB Negritude. 

 

Esta falha histórica, gerada pela contação das histórias negras por narrativas eurocentradas, é de enormes proporções e inquieta uma parcela significativa da população. Aqui na Baixada Santista, desde 2017 este incômodo reuniu pensadores, suas vivências e o Instituto Procomum. Determinados a remexer nessa história para dar novas bases ao que entendemos como a construção da nossa cidade, uma série de pesquisas e observações passou a ser realizada. O LAB Negritudes olha para o apagamento do negro na constituição da sociedade santista e o transmuta dando vida a produções artísticas, fotográficas, documentais, performáticas e formativas, rompendo conceitos até então enraizados. 

 

“Afrocentricidade é a conscientização sobre a agência dos povos africanos.” Asanti, 2009

 

Fazendo uso do turismo  e da educação como ferramenta de transgressão histórica, nos dias 13 e 20 de setembro de 2022, os participantes tiveram a oportunidade de acessar um pouco do conhecimento de Thaís Rosa que dentre outras tantas funções e atribuições, é CEO da agência de turismo Conectando Territórios e de Morena Mariah, pesquisadora que aborda tecnologia mídias e cultura, mas nos últimos anos dedica-se majoritariamente às políticas públicas. Ambos círculos formativos aconteceram de forma online, possibilitando a participação de pessoas de diferentes territórios.

 

Thaís Rosa, nos trouxe exemplos de como podemos recriar a história restaurando as nossas memórias, pois conhecemos o Brasil através de uma história colonial que precisa ser recontada. São exposições, museus, músicas, arquivos, monumentos, fotografias, eventos que nos ferramentam para essa reconstrução. Momentos de troca nos quais Thaís mostrou que a diversidade da memória brasileira está em cada um de nós, cada cidadão guarda parte dela e deve propagá-la.

 

Morena Mariah também abordou o vazio histórico que tange a população negra e nos apresentou o Afrofuturo, projeto idealizado pela pesquisadora, focado em assuntos relacionados a negritudes que não costumam ser evidenciados, mas que garantem a sobrevivência e a dignidade de pessoas pretas a exemplo da expansão Banta, movimento que durante três milênios teria espalhado as línguas bantas pela África subsaariana, filosofia africanal e tecnologia ancestrais. Todo o percurso de conhecimento de Mariah é embasado em nomes como os de Asante, Cheik Anta Diop, Ramose, Professor Renato Nogueira e Marimba Ani. 

Morena Mariah

 

Thaís Rosa

Os círculos foram um primeiro passo para mapear e sensibilizar possíveis participantes para um segundo momento. Após as atividades formativas online, membros da comunidade foram convidades a participar do LAB Relâmpago, atividade presencial que reunia  pessoas interessadas em trocar saberes relacionados à educação e ao turismo.

Munidos dos conteúdos trocados durante os círculos, os participantes puderam colocar em  discussão, nos encontros presenciais ocorridos nos dias 30 de setembro e 01 de outubro, metodologias e enredos impostos. O Professor Marcos Augusto Ferreira, que se acanha ao ser reconhecido neste título por ser formado em jornalismo, fez uso do Galpão Multiuso do Instituto Procomum como arena para que nesta etapa mais de 30 pessoas pretas pudessem assistir um pouco de sua pesquisa. Há dois anos Marcos pensa as memórias da população negra na Baixada Santista, suas pesquisas compõem o arsenal do LAB Negritudes e servem como elemento disparador para que outros corpos dissidentes possam olhar para trás a fim de buscar a própria ancestralidade. 

 

Sankofa é um ideograma presente no Adinkra, conjunto de símbolos ideográficos dos povos Acã, grupo linguístico da África Ocidental. 

Sanko = voltar; fa = buscar, trazer 

Sankofa é não ter medo de olhar para trás, retroceder e reconstruir

 

Além dos círculos e da aula do professor Marcos, também houveram outras atividades formativas: oficina de tear, prática carapanã, a exibição do curta “Bilu e João” e  roda de conversas. Esses conteúdos tinham o objetivo de inspirar os participantes para o ciclo de prototipagem de ideias relacionadas a turismo e educação.

O curta avivou em Dener Xavier, participante do LAB Relâmpago, a ideia do quanto o conhecimento das ruas é potente para a sobrevivência que ainda mencionou a falha da academia ao não relacionar vivências práticas ao que encontramos nos livros, remetendo Calu, também participante, à falas de Morena Mariah quando esta se refere a descartabilidade das tecnologias ocidentais em detrimento da perenidade do que entendemos como tecnologias africanas: 

 

“Intelectuais devem estudar o passado não pelo prazer que encontram, mas para derivar aulas dele.” Cheikh Anta Diop

 

Prototipar ideias é valorizar saberes singulares e coletivos, muitas vezes silenciados. Ainda falando a respeito de formas convencionais e ocidentalizadas de disseminação de conhecimento, Jupirã menciona que “mesmo após anos de estudo, quando realizamos o trabalho de conclusão de curso, somos impossibilitados de imprimir nossa opinião”. Mas durante todo LAB Negritude propusemos a valorização do saber como troca. 

 

“Um dos grandes problemas da sociedade é a mercantilização do saber, é a transformação do saber em mercadoria, em nossas comunidades nós não vendemos o saber, nós compartilhamos pois quando sabemos de alhuma coisa e compartilhamos, a outra pessoa acrescenta naquele saber mais alguma coisa e então o nosso saber cresce.” Nego Bispo

 

Entendendo diferentes áreas de interesse, a mediadora Luh separou o grupo em quatro mesas: empreendedorismo, educação e turismo, literatura, saúde e cuidado e audiovisual. Cada grupo sintetizou em uma única ideia os saberes oriundos de seus integrantes. Resultando nas prototipagens que abordaremos a seguir:

 

PROTOTIPAGENS

Realeza

Poesia na perifa

Por: Augusto Pakko, Calu Narcizo, Sandra Araújo e Professora Andréia


Escrever é olhar para si, é catar as palavras que antes eram sentimentos e aterrisá-las no papel. O grupo propõe o uso dos cinco sentidos como elemento disparador da palavra: quais verdades os seus olhos vêem aqui e agora? A qual sentimento o tatear consciente de uma mesa remete?  As respostas para todos estes questionamentos vão tomando forma e construindo, em forma de poesia afrocentrada, narrativas apagadas por um sistema que se vale do vazio histórico para propagar aquilo que Chimamanda Adichie chama sabiamente de “O perigo da história única”. 

A oficina aconteceu no morro da Alemoa e contou com a presença de jovens que compareceram mesmo com a chuva torrencial. GRIÔ é a palavra africana para denominar o “guardião da palavra” e que norteou o protótipo Realeza. Jovens um dia serão Griôs em seus territórios. 

 

Aconchego Ilera

Turismo e auto-cuidado de preta pra preta

Por: Roby Antunes, Leila, Konsá e Fabi

O Cuidado é um dos temas transversais no Instituto Procomum, está em nossas ações e nas trocas que fazemos. Em se tratando de cuidados domésticos, com o outro, com as crianças e com a família, é notória e predominância das mulheres em ação. Estudo realizado pela Universidade Federal do Espírito Santos demonstra que 80% das pessoas envolvidas em cuidados são mulheres. Mas quem cuida de quem cuida?

Aconchego Ilera propõe o cuidado para mulheres que poucas vezes estiveram neste lugar, uma reunião de saberes ancestrais provenientes de povos africanos e indígenas, resultando em produção de cosméticos naturais, escalda-pés, música, alimentação consciente e trocas: aquilombar.

É importante ressaltar que o grupo optou pela contratação de fornecedores da região para a execução do protótipo. Enxergar o fortalecimento em rede também é premissa do IP.

 

AfroFullturismo Multiquebradal

A quebrada é turística, sim!

Por: Augusta França , Dener Xavier, Luana Camargo, Taynara Dias e Vilene Lacerda


Podemos ser levados a crer que apagamento histórico é técnica reservada ao período escravocrata, mas não. O apagamento acontece todos os dias quando somos ensinados a desmerecer a nossa história. O LAB Negritudes, desde sua origem em 2020, questiona onde estão os registros das pessoas negras que deram forma a este território e Afrofullturismo Multiquebradal vem mostrar que a periferia, habitada majoritariamente por pessoas pretas, pode e deve ser turística, à revelia da falta de políticas públicas com este olhar. De acordo com dados de 2020 do IBGE, a Baixada Santista aporta 192 favelas. Cada casa, cada barraco, cada viela é recheada de gente e gente é recheada de história. Os movimentos populares se articulam e constroem espaços que transbordam arte, cultura e diversão. 

 

Em um primeiro momento o grupo reuniu jovens da favela do México 70 em São Vicente e os levou para passeio turístico guiado pela cachoeira do limão na cidade de Bertioga e posteriormente os jovens passaram por atividade formativa. A ideia foi, além da diversão, que os jovens, ao entrar em contato com a oficina ministrada pela turismóloga Augusta França, pudessem vislumbrar a possibilidade de uma nova profissão entendendo que parte significativa da economia da Baixada Santista gira em torno do turismo o projeto abarcou pessoas de Santos São Vicente e Bertioga.  

 

OmiAbay

O movimento de epistemologias ancestrais.

Por: Andreia Marques, Aretuza Nzinga, Gustavo Pereira, Jupirã Transeunte, Sandra Helena e Vivi Alves 

Construir a memória a partir “do colher fragmentos” de cultura negra é tecnologia negra de sobrevivência. Séculos de história apagada vão sendo reconstruídos pela tessitura do que se tem e do que se imagina, são nomes, vivências, imagens, partes que se observados com cuidado, vão figurando a tessitura da memória.

 

O grupo OmiAbay fez uso do feitio da boneca Abayomi para apresentar obra audiovisual que leva o título do nome do grupo. Um registro sensível e poético de alguns dos fragmentos como a contação de história da integrante Sandra Helena, palavras de Conceição Evaristo e o olhar para a estética afrocentrada formam o vídeo. Esta ideia central de tecitura também se desdobra em performances, zines e tudo o mais que possa cintilar nossa história. 

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“Compromissado com o rompimento e silenciamento imposto às inteligências, expertises e epistemologias de pessoas racializadas”

Os 04 grupos receberam aporte financeiro e foram acompanhados durante os meses de outubro e novembro. Levamos a palavra “prototipar” a sério e entendemos que todos estes projetos são replicáveis. Ao todo tivemos mais de 30 participantes, inseridos em 4 projetos que puderam tocar incontáveis vidas, para conhecê-los melhor, acesse a página do LAB Relâmpago disponível no link.

 

757 412 Editor
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