Leia entrevista Claudia Naranjo militante colombiana

Nossa metodologia prevê que adentrar determinado território requer o olhar daqueles que o habitam. Na espinha dorsal do LA Cuida encontram-se mobilizadoras locais. A respeito do que é Cuidado e como Cali recebe o LA Cuida, Instituto Procomum conversou com Claudia Lorena Naranjo, articuladora social e uma das mobilizadoras locais do projeto.

 

IP: A pauta do Cuidado não é muito conhecida nem no Brasil nem na Colômbia. Gostaríamos de saber como você vê a Economia do Cuidado e como a sua trajetória te conduziu até o LA Cuida. 

 

Claudia: Para mim é uma alegria fazer parte do projeto porque essa é a minha missão, minha vocação e é parte de quem sou. O desenvolvimento pessoal alimenta o profissional. É algo que está junto. Sou Claudia Lorena Naranjo, sou de Cali, tenho 43 anos, trabalho no desenvolvimento social local das comunidades que estão no Vale do Calca e também em alguns outros departamentos a nível nacional. O último projeto que coordenei possuía nível nacional. Sou psicóloga e pós-graduada em cooperação internacional e gerências, todo este currículo acadêmico me permitiu encontrar minha vocação e meu caminho como profissional no desenvolvimento social das comunidades, pensando que para que haja desenvolvimento social, é necessário o desenvolvimento humano. É preciso pensar no desenvolvimento da criatividade e no desenvolvimento coletivo das comunidades. Trabalho há mais de 20  anos com estes temas em diferentes organizações do país, algumas das mais importantes do país. Minha carreira começou com o instituto penitenciário em uma época historicamente muito importante do país, o narcotráfico era muito forte e os grandes narcotraficantes já estavam em cárcere, posteriormente passei a trabalhar com menores infratores em conflito com a lei e depois me vinculei a um projeto que eu tinha junto a Nações Unidas, trabalhando com jovens em situação de vulnerabilidade do Vale do Calca; construímos unidades de negócio e empreendimentos enquanto trabalhávamos também com a mobilização de jovens que haviam feito parte de grupos armados.  

Estive com as comunidades vulneráveis à expropriação e me lembro que esse projeto ganhou o Prêmio Nacional Empreender  Paz, o Prêmio da Agência Alemã para Cooperação Internacional. A execução do projeto foi outorgada a mim e digamos que foi este um momento muito importante na minha carreira no qual começamos a construir projetos focados em sustentabilidade na Colômbia.

Foi o Prêmio Nacional Empreender Paz que nos trouxe um “click”e a Agência Nacional de Cooperação nos financiou para que realizássemos um projeto de cooperação com a federação. Também estive com o British Council, onde também trabalhei com jovens em conflito com a lei e a minha maior experiência foi com a Cruz Vermelha Colombiana trabalhando em projetos contratados pela COMPETRO na comunidade. Foi um dos planos de emergência da COMPETRO de enfrentamento às dificuldades enfrentados pelas pessoas vulneráveis aos temas relacionados a infra-estrutura petroleira. 

 

Nos últimos anos parei um pouco de trabalhar com o desenvolvimento social e me dedicar ao empreendimento. Me tornei empresária, faz dois anos que comercializo roupas de segunda mão. 

 

IP: Estamos tentando explicar como são as metodologias de ativação de comunidade. Sabemos que você possui essa expertise e gostaríamos de saber qual o trabalho de uma mobilizadora?

 

Claudia: Se uma organização, um grupo social tem a  intenção de acessar uma comunidade pensando que vai levar uma ajuda, então a entrada para essa comunidade é o mais importante porque fazer um contato inapropriado pode fechar as portas. O primeiro passo é entender se o tema faz sentido para determinada comunidade, depois precisamos entender quem são as cooperativas e os líderes comunitários. É importante porque na Colômbia as vezes nos organizamos com juntas de ação em comum que tem um presidente e toda uma estrutura organizacional. Tem um modelo um pouco político. Temos que considerar todos os assuntos. Parece algo complexo, mas às vezes fazemos isso com um telefonema, até porque, quando pensamos em uma comunidade, pensamos em algo muito grande, mas uma comunidade pode ser um departamento, um município, um centro popular, um bairro… 

 

A mobilizadora conecta-se com as pessoas que conheço e neste projeto o objetivo é chegar às pessoas de maneira muito orgânica. Conectei amigos próximos.

 

IP: Como conectar LA Cuida com a economia do cuidado? Pois muitas pessoas praticam o cuidado sem enxergá-lo como parte da economia

 

Claudia: Essa parte da pergunta é muito importante pois as pessoas estão fazendo essas ações sem saber que praticam a Economia do Cuidado e isso diz muito a respeito da consciência das pessoas e das comunidades: nossa educação e a nossa cultura não nos ensina a reconhecer que fazer por  nós mesmos é o mais importante. Também não nos é ensinado que o desenvolvimento humano é mais importante que o desenvolvimento econômico e que para que aconteça o desenvolvimento social, antes tem que haver o desenvolvimento humano. Encontramos um monte de projetos que não se enxergam como Economia do Cuidado e não temos claro e interiorizado em nossos corações que primeiro “sou eu, primeiro me cuido, primeiro exalto o que tenho e transbordo, o que tenho como pessoa, como comunidade”. Não é necessário que seja um grande grupo, pode ser um pequeno coletivo de mulheres, por exemplo. Se varro a minha casa e a outra pessoa faz o mesmo isso já é Economia do Cuidado porque estamos falando de limpeza, de asseio, de saúde de algo que é meu, mas tem um impacto comunitário. Se eu reconheço que isso é mais importante, já temos claro que isso é uma Economia do Cuidado. 

 

Quando falamos de um projeto que vai realizar um impacto social a respeito deste tema, estamos dizendo que faremos ações concretas e específicas e quantificáveis. Devemos ter alguma capacidade de registrar essas atividades e por isso que organizamos projetos e é por isso que surge o LA Cuida, para que consigamos identificar, organizar e nomear essas ações. 

 

IP: Olhar para o Cuidado varia muito de acordo com o território no qual estamos. Uma coisa é o Cuidado na Suíça, outra aqui na América Latina. Sob a sua perspectiva qual é a característica que conecta o cuidado na América Latina?

 

Claudia: Sabemos o que significa a colonização para a Am. Latina e para os países africanos. Nosso processo histórico nos leva a fazer o melhor que podemos com o que temos, tentando reconstruir o que foi afetado pela colonização depois de tantos séculos de comunidades vulneráveis. É como uma forma inteligente e resiliente de manejar todo o efeito que é trazido das culturas imperialistas sob a cultura dos países. Falar de Economia de Cuidado também é entender que o que está posto, está posto, o que faremos a partir daqui com o que temos? O que temos é a força humana, nossas qualidades, nossa comunidade, nossa cultura, danças, sabedorias ancestrais. Isso é o que temos. 

 

 

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