“Eu gosto quando vocês me chamam de “Omo” porque, na verdade, vocês estão me chamando de “filha”. Alamoju é sabedoria: Filha da sabedoria.” Omo Alamoju
Omo Alamoju é o segundo nome de Ana Amélia, a selecionada dentre os vinte inscritos na chamada interna realizada pelo Instituto Procomum para a realização do Ocupa Arte no LAB, iniciativa desempenhada em parceria com a Santos Brasil. Ocupa Arte acredita na arte como ferramenta de transformação, educação, inclusão e encontro entre as pessoas. O objetivo é reverberar produções artísticas locais e permitir que artistas desenvolvam e avancem em projetos dentro de temáticas específicas e importantes propostas por nós. A ação acontece em três temporadas e nesta primeira, o foco são as mudanças climáticas.
Conversamos com Omo Alamoju para conhecer um pouco mais desta mulher, do espetáculo “Puxada de Rede”, trabalhado no Ocupa Arte e do trabalho que desenvolve há mais de 20 anos no grupo AfroKetu.
IP: Me fala como você prefere ser chamada?
Omo: Eu não tenho preferência, posso ser chamada por qualquer um dos nomes. Todos trazem fortes referências para mim. Amélia é o nome da minha avó, mãe da minha mãe.
Ela era filha de fazendeiros, fugiu por um amor e foi uma mulher batalhadora, então é um nome que eu levo com muita felicidade.
“Ana” significa cheia de graça e eu acho que me cai muito bem porque sou assim: sorridente. Por isso eu não tenho uma preferência. Me chamam de Ana, de Amélia, Ana Amélia…
Omo Alamoju foi o nome que eu ganhei na capoeira ao longo da minha estadia no AfroKetu. Na capoeira os alunos recebem nomes de guerreiros porque é uma forma de fortalecer a história do negro contada dentro da instituição e de criar uma personalidade com a qual eles podem contar, se inspirar e ir a luta ao buscar seus objetivos.
Eles (os mestres de capoeira) me perguntaram se eu tinha alguma referência e a minha foi a mitologia afro-brasileira. De acordo com as religiões afro-brasileiras, no Ketu eu seria do Orixá Nanã, um dos Orixás mais velhos, uma senhora muito antiga e sábia. Não sabemos como foi a passagem dela, mas sabemos que, de acordo com a mitologia africana, foi ela quem moldou o corpo humano. Assim como na bíblia, a lenda diz que nasceste do barro e ao barro voltará. Nasci em família evangélica e por isso consigo conciliar as histórias. Daí surgiu Omo Alamoju: sabedoria que vem de Nanã.
IP: Eu gostaria de saber como tem sido o Ocupa Arte para você até aqui?
O Ocupa Arte me trouxe uma maneira diferente de me relacionar com as crises climáticas. Nós sempre fizemos ações de emergência, mas aqui passei a pensar em soluções preventivas de enfrentar as crises climáticas. Essa foi a maior contribuição que temos em relação a essas ações. Quando houve o deslizamento aqui no morro do macaco, acredito que fomos a última instituição a parar de fornecer alimentos, conseguidos por meio de doações, para as pessoas atingidas. Foi um despertar para o olhar social e nos permitimos ajudar outras pessoas, até então éramos bastante focados na questão cultural.
O Ocupa Arte me fez prestar atenção às temáticas preventivas em relação às mudanças climáticas: O que eu posso fazer antes de acontecer alguma coisa? ou o que eu posso fazer para, pelo menos, alertar? A população tem que saber cobrar, não adianta a gente achar que Deus nos dará tudo. Para saber cobrar, devemos estar inseridos no contexto que o Ocupa Arte traz. A arte auxilia a sensibilizar, a conscientizar e a saber cobrar ainda que de forma leve já que estamos fazendo com as crianças.
É difícil prender a atenção das crianças, falo um pouco, mas com elas temos que ter a percepção que a ação é mais efetiva. Ocupa Arte é uma conscientização de forma ativa. A parte alusiva estamos mostrando.
IP: O deslizamento de 2020 ceifou algumas vidas, dentre elas a do mestre Rafael, idealizador do AfroKetu. Você gostaria de falar sobre isso?
Omo: Não há problema em falar, uma frase que remete ao mestre vem de um texto feito por ele “O tempo é muito curto…e temos o universo inteiro pela frente”.
“Seja família e não finja ser.
Seja amigo e não finja ser.
Seja parceiro e não finja ser.
Ame os seus, não finja amar.
Se orgulhe de cada feito, não finja.
O tempo é muito curto,
E temos um universo inteiro pela frente.
Que a fé e a perseverança seja nossos aliados em dias difíceis.
Mas, que a verdade não conhecida pelos covardes não seja a arma que nos mate,
Pois nossa armadura é construída de sonhos e tem como forja a coragem.”
Rafael Rodrigues
IP: Conta um pouco da Puxada de Rede?
Omo: O que trazemos para o Ocupa Arte é a “Puxada de Rede”, um trecho de uma peça que trabalhamos no AfroKetu: A Rede que te puxa. A Puxada de Rede fala sobre pesca e cultivo. A peça traz a vivência dos pescadores, mas também fala da morte. Na peça, o personagem Pedro morre, mas quantos Pedros acabam morrendo, quantos pescadores saem para trabalhar e não trazem nada? Isso pode significar a morte de uma cultura, por exemplo. O que está morrendo com a cultura da pesca?
IP: O que é o Afroketu?
Omo: É um grupo de cultura popular que nasceu da capoeira, se aculturou, se apropriou do maculelê, tomou corpo sozinho e deu certo. Hoje o Afroketu tem CNPJ. Com o passar do tempo entendemos que a cultura afrobrasileira tem uma dimensão muito grande. Hoje trabalhamos com ritmos brasileiros: samba de coco, samba de roda, puxada de rede que é uma dança dos caiçaras, dentre outros. Sobrevivemos até hoje permeando culturas, entendendo costumes e a vivência dos povos negros. Também gostaria de dizer que não nos limitamos às questões culturais, conseguimos inserir participantes em conferências, por exemplo. Para que eles consigam entender dos próprios direitos, inserimos essas pessoas em audiências públicas relacionadas à educação, segurança e saúde.
Uma das propostas que a gente lembra que chegou a Brasília e virou um programa, foi o Juventude Viva que aconteceu graças ao Fórum Nacional de Juventude Negra. O programa do governo federal voltado para a redução da vulnerabilidade dos jovens em situação de violência física e simbólica.
Por semestre circulam mais de 200 pessoas em nosso espaço, algumas relacionadas a capoeira, outras ao AfroKetu.
IP: Conta um pouco da sua trajetória no grupo?
Omo: Eu moro aqui em Morrinhos – Guarujá e aí começou um projeto próximo de casa, dentro de uma igreja. No início, minha mãe não me deixou ir, como eu falei, é uma família evangélica e para eles capoeira era coisa do demônio, mas com muita insistência ela permitiu por ser dentro da igreja. Ela achou que eu não ia continuar. Esse grupo era do Mestre João Neguinho, mas fechou e eu comecei a praticar capoeira no bairro Morrinhos 2.
O grupo começou em 2000 e logo depois, o Mestre Rafael recebeu alguns CD’s que contavam um pouco do Maculelê. Formamos uma primeira turma com 40 alunos. O grupo que era uma Roda de Capoeira se transformou em Afrogueto e depois em Afroketu. Eu fazia a faculdade de secretariado e meu primeiro trabalho com documentação aconteceu ali dentro do grupo. O que eu fazia se conectava muito ao meu profissional. Até hoje não consigo desvincular. Agora estudo fisioterapia pra entender melhor o movimento do meu corpo.
IP: Quando você começou a dar aula no Afroketu?
Omo: Acredita que eu não sei? Foi acontecendo. Eu era aluna e às vezes eu acabava segurando a aula, mas eu nunca fui a pessoa cotada para dar aula. Quando eu entrei, não tinha pé de dança, era totalmente fora do ritmo. Meu primeiro contato foi com o Ijexá, era só um passinho de chutar para frente e nem isso eu não sabia.
IP: Quando e como o seu caminho te levou ao Procomum?
Omo: Fizemos uma parceria com o Procomum dentro da programação do LAB Negritudes, e este foi o nosso primeiro contato. Posteriormente aconteceu o falecimento do mestre Rafael (idealizador do AfroKetu), na mesma época que saiu o edital da Colaboradora me inscrevi e fui selecionada. A chamada para o Ocupa Arte chegou ao meu e-mail e eu me interessei.
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