Afirmando o poder comunitário do Conjunto Vitória em Praia Grande

 Projeto utiliza metodologia de afirmação da história comunitária do Conjunto Vitória para realizar melhorias habitacionais de segurança e acessibilidade

PRAIA GRANDE – O conjunto habitacional Vitória, localizado em Praia Grande, litoral de São Paulo é um exemplo de modelo de construção de moradia popular de gestão comunitária que pouca gente conhece. Nos anos 90, o projeto habitacional foi criado a partir de programas de desenvolvimento habitacional, mas totalmente gerido pela própria comunidade, que geriu os recursos e construiu os prédios em mutirões.

A iniciativa apresenta soluções contra-hegemônicas na produção das cidades, mostrando o sistema de mutirão por autogestão em parceria e colaboração  com movimentos sociais – como a Associação Movimento Pró-Moradia Sítio do Campo – e equipes técnicas na década de 1990, como alternativa e possibilidades para outras políticas de moradia, centradas nas pessoas.

Quase 25 anos depois, o  projeto Mãos que Constroem: ATHIS e o Legado do Conjunto Habitacional Vitória centrou-se em propor melhorias habitacionais para segurança e acessibilidade a partir de uma metodologia que evidencia o conjunto como símbolo de resistência e construção coletiva. A execuação do projeto é da Procomum em parceria com GT ATHIS, Coletivo Ponte/ATHIS na Baixada, Movimento Pró Moradia Sítio do Campo e Movimento Popular de Habitação de Peruíbe com financiamento do CAU-SP (Termo de Fomento nº 001/2024).

Com o passar dos anos, o conjunto passou a exigir melhorias em áreas como segurança contra incêndio, instalações de gás e acessibilidade. Essas demandas, no entanto, não são vistas como falhas do projeto original, mas sim como desafios inerentes à manutenção colaborativa de habitações populares ao longo do tempo. E para nós, da Procomum, uma oportundiade para afirmar a gestão comunitária e o modelo comunitário, que também precisa ser estimulado e atualizado.

Como gostamos de dizer por aqui, todo bem comum é um laboratório cidadão, precisa ser reinventando e experimentar mudanças para sobreviver.

Entendendo que construções e ações contra hegemônicas são invisibilizadas ao longo da história, principalmente aquelas relacionadas a luta por melhores condições de vida, pelo direito à cidade e a moradia, o coletivo, quando organizado e com objetivos alinhados a lideranças, atua para que esses processos e experiências movidas por mutirão e autogestão não sejam apagados no pós-ocupação.

Nesse sentido, a proposta do coletivo foi articular atividades práticas e técnicas junto a atividades sociais, estas perdidas e muitas vezes fragilizadas ao longo dos anos. Assim, o projeto Mãos que Constroem: ATHIS e o Legado do Conjunto Habitacional Vitória resultou em impactos significativos no território, tanto do ponto de vista social e formativo, ao promover o reconhecimento da importância da arquitetura como instrumento de transformação social e da história do conjunto ao qual as famílias estão inseridas – mutirantes, ex-mutirantes e novos moradores – como referência de luta, participação e construção cooperativista, Tayane Crudelli, arquiteta e urbanista Responsável técnico do projeto

METODOLOGIA

Para desenvolver as peças técnicas, a participação cidadãfoi um princípio fundamental desde a concepção do projeto. A atuação no território pautou-se por uma metodologia baseada na escuta ativa, na presença constante e na construção de vínculos de confiança ao longo do tempo. O contato com uma liderança local, que também integrou a equipe do projeto, foi crucial.

O compromisso com uma metodologia participativa foi entendido como essencial para garantir o envolvimento ativo dos moradores, ampliar sua autonomia e enriquecer o processo, criando um senso de corresponsabilidade que fortaleceu o plano de trabalho e suas chances de implementação.

Dentre as atividades de levantamento e afirmação da história, a equipe técnica mediou também uma linha do tempo, adaptando metodologias do Instituto Procomum, para apresentar a trajetória do movimento desde sua formação até a conquista do Conjunto Vitória.

No Levantamento Cadastral, a equipe se dividiu em três frentes, utilizando drone para registro aéreo e articulando com o poder público e lideranças para obter plantas originais da CDHU. As informações foram sistematizadas em relatórios com impressões gerais e registros fotográficos.

Para alinhar as frentes de trabalho, foi realizado um encontro virtual de Apoio à elaboração dos executivos, onde foram apresentados os resultados das vistorias de acessibilidade, gás e segurança contra incêndio, promovendo a padronização dos desenhos técnicos.

Projetos como estes ajudam a lembrar como esses processos de luta e resistências são fundamentais para continuidades futuras de organizações coletivas, entre os antigos e os novos moradores, no Conjunto Vitória.
Por ele, novos moradores passaram a tomar conhecimento do contexto histórico e o caráter simbólico de resistência ao qual estavam inseridos, foi a partir do
projeto, também, que os mesmos, tiveram acesso a informações que ampliaram seu acesso a segurança e a ferramentas para que os moradores pudessem cobrar do poder público alguns direitos essenciais.
Além disso, o projeto também possibilitou, para além do território, a formação de uma rede com outros coletivos, lideranças e movimentos, fortalecida a partir da conta do Instagram criada pelos moradores, Tayane Crudelli, arquiteta e urbanista Responsável técnico do projeto

Sistematizando dados
Nesta fase, as capacitações tiveram duplo objetivo: promover acesso à informação e coletar dados por meio do diálogo. A abordagem transformou o processo de capacitação em um exercício de diagnóstico participativo.

Foram utilizadas ferramentas como perguntas disparadoras, flipcharts e registros visuais para sistematizar coletivamente as demandas, fortalecendo o caráter participativo.

Na Capacitação sobre prevenção e combate a incêndios e riscos com gás GLP, o profissional utilizou apresentações visuais para facilitar o diálogo, abordando propagação do fogo, métodos de extinção, sinalização e primeiros socorros.

A Capacitação em acessibilidade foi estruturada de forma interativa, articulando conteúdo técnico com troca de experiências. A condução horizontal promoveu o diálogo e a identificação de barreiras e potencialidades nos espaços de convivência, utilizando referências visuais, amostras táteis e normas da ABNT.

Projetos Executivos

No primeiro encontro, a equipe de Acessibilidade compartilhou as primeiras propostas para a rota de fuga e unidades acessíveis. A equipe de Bombeiros apresentou um documento com as tarefas do Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) e os normativos usados. A equipe de Gás expôs um estudo inicial sobre a localização das centrais e o caminhamento da tubulação.

No segundo encontro, as equipes apresentaram avanços significativos, como a organização das pranchas, detalhamentos e a identificação de conflitos e limitações construtivas. Essas discussões levantaram questionamentos sobre a aplicação de normas técnicas em territórios populares, destacando a necessidade de reinterpretar e adaptar esses padrões a diferentes contextos.

No caso da acessibilidade, as soluções propostas para os banheiros, por exemplo, atenderam parcialmente à NBR 9050:2020 devido às dimensões reduzidas e à estrutura em alvenaria estrutural, que impede ampliações. As soluções buscaram oferecer o máximo de conforto e segurança dentro das condições existentes.

Para a entrega final, maquetes eletrônicas e perspectivas 3D foram utilizadas no Evento de Encerramento para apresentar os projetos à comunidade de forma acessível, complementando os desenhos técnicos que foram apresentados com linguagem clara e sem jargões.

Um dos resultados mais significativos foi o caderno técnico produzido para ser entregue, pois os projetos técnicos de melhorias de segurança e acessibilidade possibilitam para que os moradores possam dar entrada na atualização do AVCB entre outras melhorias e direitos que podem ser reivindicados junto ao movimento.
Outro resultado importante foi a ponte que o coletivo estabeleceu entre novos moradores e o movimento Pró Moradia Sítio do Campo. Embora as praticas de cooperativismo não tenha sido desenvolvida amplamente e por completo dentro do conjunto, pois esse tipo de relação demanda tempo, convivência e construção coletiva contínua, o projeto conseguiu criar um vínculo inicial.
Nesse sentido, essa articulação Inicial abre possibilidades para ações conjuntas entre moradores e lideranças, fortalecendo processos colaborativos entre
si e que foram se perdendo ao longo dos anos, Tayane Crudelli, arquiteta e urbanista Responsável técnico do projeto.

Colaboração

As atividades, que promoveram trocas entre técnicos e moradores, estimularam o sentimento de pertencimento e a corresponsabilidade entre os residentes. A busca pela história e pelo processo construtivo, marcado pela resistência e autogestão das famílias nos anos 1990, evidenciou outras formas de construir cidades e garantir moradia digna, rompendo com processos formativos excludentes na produção habitacional.

O caráter educativo do projeto também se mostrou relevante, ao envolver estudantes e jovens profissionais de arquitetura e engenharia, criando um ambiente de aprendizado mútuo entre técnicos, moradores e movimentos sociais, e consolidando práticas de ATHIS na região.

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