Dilê, amor-de-sete-pele, Guarujá 2021
Existem três coisas principais que podem tirar a paz de um favelado
A policia, a chuva e a fome.
Sendo a primeira a pior dos três, principalmente quando aparece em dia de chuva.
Seis da manhã. Operação chutão-na-minha-porta.
– Levanta e vai pra pra parede.
-Sobe a camisa,
-Tem droga?
– Trabalha?
– Cadê a droga?
– E essa cadeia que você tirou aí?
-Cadê o tijolo de maconha de vocês?
– Não ouviram a confusão ai embaixo não?
Quando eu morrer, deus não vai me cobrar aluguel.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Chegou na favela um gringo, de estilo esporte fino. Passaporte europeu de antigas tradições e alguma boa intenção, um punhado de fé em qualquer coisa,
Um quê de boa -vontade.
Procura por mim, dá telefonemas, conversa em bares, faz perguntas…
Me acha, é claro.
Tenho brilho no olhar e sede de dinheiro.
Que se apressem os bons, vamos ao problema do gringo,
Já tentou Umbanda, Candomblé e reza forte, nada.
Meditação, mulher bonita, droga
Nada.
Não sabe sorrir,
Não sorri por nada.
Rosto estático, congelado, territorial.
Faço algumas medições assim, de olho, percebo certa falta de consistência,
Arrisco uma piada, daquelas oportunistas, usando de improviso, entonação dramática, gestos de mão, estou com tudo,
Ele, nada.
Rosto impassível, talvez não entenda bem o português
Emendo outra, agora em inglês, o gringo paga bem. Não é questão de decepcionar.
Well, motherfucker.
Haha, UNDERSTAND?
Espremo uma risada pra fora, para demonstrar que chegamos ao final
HAHAHAHA
YES YES RIGHT?
Ele parece cansado, os olhos injetados, vermelhos, como se tentasse sentir a risada de dentro pra fora, como se pudesse expulsá-la.
Tem coisas que não se ensinam.
Abro a mochila e mostro alguns sorrisos pra ele, maleáveis, fáceis de colocar, coisa boa, sem preocupação com entusiasmo, só estética. Que tal?
Seus olhos ganham um brilho, as mão se abrem, as notas escorregam, se emociona.
Explico que a pesquisa será breve, mas intensa, coloco prazos , dificuldades, planos de sucesso, escorregam notas.
O rosto congelado, igual quando chegou, vai embora. Entra no carro e vai, fica a promessa.
Faço o caminho de volta, vou subindo, me movimento rápido, a meta é a caixa-d’água, sei que lá dentro vou achar o que eu quero, o riso solto.
Lá de cima vejo o mar, e as casinhas da favela, tão pequenas.
Com delicadeza pego o sorriso e coloco, fico ali olhando pelo espelhinho.
Bonito.
No caminho pra casa, na intenção de sumir
Coloco máscara, tênis, boné
pra que ninguém veja o que eu carrego comigo.
Leave a Reply