Semana LGBT do Instituto Procomum e Collab Pride

Nos dias 02, 03, 04 e 05 de agosto aconteceu a semana do orgulho LGBT do Procomum. A Organização do evento ficou a cargo do Grupo de Trabalho Collab Pride, GT liderado por Magenta e Paty Miau, ex-integrantes da Colaboradora, nossa escola livre de artes. O grupo estreou o espetáculo em 2022 durante o Festival Encruza e desde então vem se estruturando para estar mais forte a cada dia. 

 

Durante os quatro dias de evento rolou Roda de Conversa com Eduardo Ferreira, Roda de Conversa com a presença do Coletivo Donas da Rua, Imersão Drag com Sheylona e muito espetáculo com as drags Tila Rios, Ariella, Magenta, Paty Miau, Bella Vellaskez, Joana Chaves, Kryartyura, Mohara, Pink, Samantha Dior e Sheylona. 

 

A respeito do evento e dos anseios do GT, conversamos com Joana Chaves, Paty Miau e Magenta. 

Elektra durante o evento Collab Pride 05 de agosto

 

Paty Miau durante o evento Collab Pride 05 de agosto (Fotografia: Bete Nagô)

 

Magenta durante o evento Collab Pride 05 de agosto (Fotografia: Bete Nagô)

IP: É uma baita honra ver a evolução de vocês de perto. Entre nós da equipe, sempre ficamos impressionados com a capacidade de produção e organização que vocês têm, ainda que com poucos recursos. Como vocês chegaram até o Procomum e como surgiu a Collab Pride?

 

Magenta: Nós conhecíamos o Fabrício Dias que fez parte da Colaboradora antes de nós. Participando dos projetos dele que conhecemos o Procomum e nos inscrevemos na Colaboradora, quando chegamos nos demos conta de que as artistas drags da região tinham muito a acrescentar para o LAB, mas não tinham consciência de que ele existia e nós ficávamos pensando “Imagina se as nossas estivessem aqui, o que elas não poderiam fazer”. Quando, ao final da Colaboradora, surgiu a possibilidade de fazer um projeto, a primeira coisa que eu pensei foi que eu precisava enfiar pessoas iguais a mim aqui porque assim como eu estou aproveitando, elas também precisam aproveitar o Procomum e ocupar esses espaços. Eu e Paty juntamos forças e orçamentos para conseguir trazer 10 artistas aqui no ano passado e foi quando surgiu o espetáculo Collab Pride. 

 

A primeira edição – do Collab Pride – foi muito além do esperado. A gente sabia que o Procomum e as pessoas que estão acostumadas ao Procomum se impressionariam, mas a comunidade LGBT que já assiste a gente nas boates se impressionou também e isso foi a validação do trabalho que estávamos fazendo porque foi a primeira vez que eu assumi a frente de um projeto desse. Quando surgiu a possibilidade de fazermos o GT já estávamos mais confiantes. Foi só dar continuidade ao projeto. 

 

IP: Vocês se conheceram aqui?

 

Paty: Eu conheci a Joana aqui, a Magenta eu já conhecia de uns trabalhos anteriores: uma amiga fez uma sessão de fotos com ela, eu achei magnífico e fui atrás dela. Foi o resgate da Miau, fazia anos que eu não me montava. 

 

IP: Então me conta um pouco da trajetória de vocês enquanto artistas, como tudo começou?

 

Magenta: É muito difícil dizer isso. Quando eu saí da minha casa montada de salto alto pela primeira vez, em agosto de 2017, eu já estava contratada, mas eu me montei de drag no meu banheiro durante uns dois anos na pandemia e eu já sou maquiadora há muito tempo, minha mãe é cabeleireira e eu cresci dentro de salão. Comecei quando eu era criança e evolui ainda mais na faculdade de produção multimídia. No curso sempre precisavam de um maquiador e lá ia eu. Nessa brincadeira acabei maquiando teatro, filme e produções audiovisuais de monte. Eu gostava muito de produzir conteúdo pra moda porque é um espaço onde você pode usar peruca, ousar e eu descobri que eu podia fazer isso em mim. Foi assim que surgiu a ideia de fazer Drag. 

 

Paty: Na minha infância eu era deslumbrada com o “Clube do Bolinha” porque tinha um quadro chamado “Eles e Elas” que prendia muito a minha atenção por já saber que não eram mulheres e sim homens vestidos de mulheres. Com 12 anos eu ia pra porta das boates ver as artistas, com 14 anos eu entrei na boate pela primeira vez de mini saia e topzinho. Eu estava em um ambiente onde eu me senti acolhida, tudo era mágico e o palco me chamava atenção. No dia foi apresentação da Dimmy Queer. Eu digo que foi amor à primeira vista porque eu não conhecia drag, eu conhecia travestis.  Ver aquele homem vestido de drag me levou a pensar “É isso que eu quero ser” . Com 14 para 15 anos eu já estava envolvida e com 16 anos eu recebi o convite para fazer show. Preparei, figurino, maquiagem e me inspirei em grandes divas.

 

Viajei muito pelo Brasil , fiquei 3 anos fazendo idas e vindas pelo Chile, morei seis meses lá. A coisa foi tão explosiva que eu ia participar dos concursos em São Paulo, não ganhava, mas sempre estava sendo contratada por alguma casa. Não tínhamos internet, então fazíamos a foto no estúdio do Batista Lima que era o fotógrafo oficial das drags, fazíamos uma carta e mandávamos para as boates. Assim fui para o Rio, Salvador, Florianópolis, Curitiba… Em 2006 eu estava muito cansada de viajar e ficar longe da família, parei um pouco e fui viver a Patrícia. A Miau, minha drag, entrou em “coma” em 2006 e ressuscitou em 2020. Estávamos todos presos em casa, comecei a fazer live e a coisa foi acontecendo, estava satisfeita com a produção de fotos que eu tinha feito com a Magenta em 2019, mas por insistência das pessoas eu acabei voltando e tá aí a Miau de novo. 

 

Joana: Eu sou atriz. Comecei teatro com 14 anos. Achava a arte drag incrível, mas nunca pensei em fazer drag porque eu acreditava que eu não sabia me maquiar, não levava jeito e não tinha roupa. Assistia Ru Paul com uns 16, 17 anos e ter essa referência, me levava a crer que tudo era muito grande e não daria certo para mim, mas em 2020 assisti um live da Patricia Miau com o Fabrício Dias do Coletivo Marcha e eu fiquei apaixonada. Foi no mesmo período que um vídeo aqui do Procomum onde vi uma drag dublando “Alô Marciano” de Elis Regina. Fiquei muito impressionada e comecei a acompanhar o trabalho da Magenta e o da Miau. Quando surge a quarta edição da Colaboradora, me inscrevi, passei e conheci a Miau. Para mim era a Beyoncé. Eu já tinha assistido o “Põe a cara no Sol” e eu admirava muito. A Magenta eu conheci pessoalmente aqui. No início eu achava que ela não gostava de mim porque ela é muito fechada, hoje em dia ela até fala que me ama. Olha onde eu cheguei!

 

Surgiu o Collab Pride. Tinha algumas “panelas” na Colaboradora, mas eu transitava muito e obviamente eu me via mais no universo delas, tanto que eu transicionei dentro da Colaboradora. A Joana nasce na quarta edição da Colaboradora com a Miau sendo a minha mãe e a Magenta, minha madrinha. 

 

A minha primeira montação como drag foi no carnaval quando a Magenta me convidou para estar na Stardust para uma competição de drag. Eu era uma trans bicha que nunca tinha se montado. A gente tinha 1’30’’ para escolher a música e eu dublei “Say So” da Doja Cat. Quem me montou foi a Ariella que é a minha segunda mãe. Acredita que eu ganhei o concurso na minha primeira montação? 

 

Esse ano surgiu a oportunidade de estar com elas na Collab e aí eu estava com o c* na mão porque ia dividir palco com meninas que fazem show todo final de semana. No palco tinha até miss, mas todas estavam super solícitas e foi muito gostoso. 

 

IP: E como foi a Colaboradora pra vocês?

 

Joana: Essa edição que participamos era repleta de músicos do hip-hop. A arte deles era muito pronta. Qualquer lugar que a Preta Jô  chegue, ela pode cantar e mostrar a arte dela, o Chagas pode mostrar a arte dele… a gente, não. Para que a gente se apresente, precisamos estar montadas, estar com figurino, com cenário, então ninguém fazia ideia de como seria o nosso protótipo. 

 

Paty: Teve um evento chamado Colabora Sarau, eu cheguei loira, a Magenta com peruca vermelha e foi aí que nos mostramos. Eu tinha a ideia de fazer um curta, mas acabei desistindo para que juntássemos forças para o Collab Pride. 

 

A Colaboradora tem tanto para contribuir conosco quanto nós temos a contribuir para a Colaboradora. Aqui foi uma porta que se abriu e dessas abriram-se outras. Gostaríamos de trazer a Ariella e Kryartura, por exemplo, para elas também seria uma fonte, um outro local de trabalho fora dos nichos de marginalidade noturna.

 

Magenta: São artistas que têm muito mais a contribuir para a arte e a cultura da região além do entretenimento da noite. A Ariella é uma bailarina excepcional, por exemplo. Essas pessoas ainda estão em um trabalho extremamente informal e da noite. Você vai, faz seus três minutos ganhando super mal e só. Eu diria que ela tem muito a oferecer para o Procomum. 

 

Joana: Eu concordo com as falas das meninas. Nós soubemos aproveitar pra caralh*. A Colaboradora é isso, ou você sabe  aproveitar ou você vai achar que é um bando de gente universitária que está ali, falando baboseira e não faz parte do seu nicho, mas nós tivemos muitas oficinas, muitas! Tem coisas que realmente não rolavam, tivemos pessoas que eram muito fora da nossa bolha e não faziam questão de entrar nessa bolha para traduzir o que queriam passar, mas tivemos pessoas que estavam totalmente fora do nosso nicho que estavam se desdobrando para tentar entregar um trabalho ótimo. Nós somos uma das únicas colaboradoras que deram continuidade ao protótipo. A Collab tem muito essa questão do que temos para oferecer ao território e o que o território tem a nos oferecer. 

 

IP: Se vocês pudessem fazer um desabafo, quais os maiores desafios que vocês encontram?

 

Magenta: Os desafios são diários e constantes. Nossa arte depende muito de recursos financeiros. Uma boa peruca é cara, maquiagem é cara, bailarinos são pagos. O maior desafio é o financeiro, mas paralelamente há muita desvalorização, muita gente do teatro, por exemplo, diz que o que eu faço não é arte, mas eu também entendo de iluminação, cenário, eu ensaio, entro em um personagem e ainda assim, existem pessoas do próprio meio que dizem que o que eu faço não é válido. É uma brincadeira que eu faço na noite. 

 

Paty: Para você ter noção, em 2004, a gente ganhava R$100 de cachê. Hoje o cachê permanece o mesmo. O máximo que já me ofereceram foi R$150. Não paga nem o Uber, mas no anos 2000, a Baixada exportava as drags, pagavam passagem para nós. Hoje em dia, a Baixada é muito restrita. 

 

Outra coisa foi a entrada dessa onda Ru Paul que valoriza apenas o que é de fora. Nos anos 90 as drags se inspiraram nas nacionais. 

 

IP: O que é a arte drag para vocês?

 

Magenta: Eu acho que se você perguntar para 100 pessoas diferentes, você obterá 100 respostas diferentes. para mim é a possibilidade de externalizar tudo que eu tenho vontade de fazer como artista, é ser a minha própria obra, a minha criação e a drag é um escudo que eu visto que me traz uma autoestima que jamais teria. Eu viro outra pessoa, mas aí vem muitas outras questões: cada uma das respostas que você vai ouvir também estarão corretas. 

 

Joana: Como eu sou atriz, parece que é a mesma coisa, só um personagem, mas não é. Enquanto atriz, eu consigo sair da personagem numa boa porque eu tenho técnicas pra isso, quando eu faço a Elektra é um bagulho muito louco por que a Elektra tem uma autoestima elevadíssima, eu me sinto a mais gostosa do mundo. Eu como Elektra encararia a Beyoncé. A minha drag é toda patrícia do tipo “Não mexe comigo”. Se eu tô na merda, posso me montar que eu fico belíssima.

 

Paty: Eu costumo dizer que a drag veio como um protótipo para a Patrícia, é através dela que a Patrícia consegue ser um pouco feminina. A Patrícia é uma mulher que não prioriza usar batom, pintar unha… A Miau sempre está bem vestida, maquiada, perfumada. A arte drag é isso: exteriorizar uma parte nossa que a gente não teria coragem de fazer de cara limpa. 

 

IP: E quais anseios vocês têm para o Collab Pride?

 

Joana: A Miau deu uma ideia muito massa que é fazer um elenco todo de drags pretas, mas é um projeto que vai demandar tempo e dinheiro. Como estamos em 2023 e o Natal está logo ali, eu anseio muito um Collab Especial de Natal. Vida longa para o Collab. 

 

Magenta: Aqui na Baixada a gente tem a Sheylona, né? que de uns anos pra cá tem feito a cena drag sair da boate e ganhar outros olhares. A ideia é dar continuidade nesse movimento de fazer as drags ocuparem espaços de cultura e de arte mais rebuscados porque o que a gente faz também é digno de estar ali. É daqui para teatros, arenas e cada vez mais. 

 

Paty: O Zeca é tão engraçado que há uns anos atrás tive uma percepção errada dele, mas eu conheci o curso que ele ministra e do nada eu o vi no sofá do Jô falando a respeito, maquiando pessoas ali e dizendo que era de Santos. Eu pensei “Quem é essa louca que eu nunca vi?” e eu queria muito conhecê-lo, então, na primeira oportunidade que eu tive, me inscrevi no curso dele e vi um outro lado, totalmente diferente do que eu havia pensado dele, ele consegue abrir a nossa mente e resgatar ideias que eu jamais teria.

Sheylona – Drag do artista Zeca (Fotografia: Bete Nagô)

 

Joana: Ele vai para uma linha mais teatral porque ele é ator.

Paty: Ele começou a recuperar em mim essa coisa de viajar. Em maio fomos para Ribeirão e eu pensei “nossa, gente! voltar a viajar?” Então veio essa ideia de começar a viajar os SESC´s levando essa proposta drag porque foi fantástico, cansativo, mas a diversão compensou todo o nosso cansaço. Vida longa ao Collab Pride.

 

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