Ontem realizamos, novamente na Estação da Cidadania, uma oficina de elaboração de projetos com a finalidade de auxiliar os proponentes interessados em participar do Circuito LABxS (Lab Santista). Esse projeto é a primeira ação do LABxS, o laboratório cidadão que estamos construindo aqui na Baixada, com parcimônia e persistência, desde o ano passado. Não sabíamos o que encontraríamos, quantas pessoas (foram mais de 50), mas ao final foi muito bacana, porque senti que, ontem, o LABxS nasceu. E vou tentar, nas próximas linhas, explicar porquê.
Em outubro do ano passado participei pela primeira vez como mentor do LABIC (Laboratório de Inovação Cidadã), que é realizado pela Secretaria Geral Ibero-Americana e naquela ocasião ocorreu em Cartagena das Índias, Colômbia. Foi uma experiência muito transformadora para mim, por me permitir mergulhar nas mais de 100 pessoas e 11 projetos que estavam sendo prototipados ali e vivenciar por dentro a experiência radicalmente criativa de um laboratório cidadão. Escrevi longamente sobre essa experiência e compartilho novamente aqui minha avaliação.
Voltei daquele LABICCo pensando em como promover algo semelhante e tão intenso em contexto local, mas de forma permanente. Também em como trabalhar com projetos que sejam disparadores de transformações reais e não apenas protótipos. Foi a partir dessa indagação, misturando elementos de muitas conversas e de muitas trocas realizadas ao longo do ano, especialmente com a Georgia Nicolau, que coordenou as ações do projeto dos LABCeus, que chegamos ao Circuito LABxS (Lab Santista). Essa metodologia será objeto de um post futuro.
Para explicar essa sensação de nascimento que afirmo no primeiro parágrafo, preciso elaborar sobre o que acredito ser um laboratório cidadão. Sobre isso já escrevi bastante também, textos enormes, alguns bem teóricos, mas essencialmente, para mim, um lab cidadão é um lugar de encontro para pessoas criarem em conjunto soluções para a vida no século 21. Que tipo de criação? Aquilo que amplamente nós chamamos de tecnologias. Em que área do conhecimento? Na mistura de vários tipos de conhecimento e áreas. Para que? Para promover o bem comum.
Abre parêntese. No fim de semana, conversava com meu orientador de doutorado e também conselheiro do Instituto Procomum, Sergio Amadeu da Silveira, sobre o neoliberalismo. Ele me falava que revisitando os textos de Foucault, do fim dos anos 1970, deparou-se com uma formulação do filósofo francês sobre o capitalismo. E em uma síntese rápida, Amadeu dizia que já naquele tempo Foucault diagnosticava que o sistema con de exploração contemporâneo quer transformar tudo em empresa. Pois bem, um laboratório cidadão, para mim, é um lugar para resistir a esse movimento. Não é para criar empresas, mas para permitir que as pessoas ajam em benefício umas das outras sem precisarem da mediação exclusiva da capital. Sei que é uma afirmação polêmica, mas deixo-a aqui. Fecha parêntese.
Assim, ontem, depois de responder às dúvidas das pessoas e de explicar melhor a chamada pública, repassando os termos e itens do formulário de inscrição, abri espaço para quem quisesse compartilhar sua ideia de projeto. E foi aí que a mágica começou a rolar.
A psicóloga Cristina Muniz falou que estimulada pelo grande número de guarda-chuvas descartados nas ruas de Santos, passou a reutilizá-los para costurar outros objetos, com bolsas de praia. E que seu plano era transformar isso em um projeto para gerar renda adicional às mulheres que fazem a varrição das ruas e da orla da praia. O projeto de Cristina despertou o entusiasmo de duas ativistas ligadas à Marcha das Vadias de Santos e de uma psicóloga que atua como voluntária em uma ONG do morro do São Bento. As quatro, então, se conectaram e começar a debater como podiam unir suas ideias, qualificar ainda mais sua proposta, e agir conjuntamente. Isso é o que um laboratório cidadão faz e ali ele começou a rolar.
Óbvio que podemos avançar. O ideal é justamente oferecer a esse grupo infraestrutura. Máquinas de costura e outros equipamentos. Também assessoria para essa ideia ser bem documentada e se tornar uma tecnologia de uso social. Mas tudo isso vem depois.
Para o LABxS (Lab Santista) existir precisávamos juntar os fazedores, essa gente inquieta que não se conforma com as coisas como são e por isso mobiliza sua criatividade, talento, inventividade e disposição para melhor a sua vida e a dos outros.
Não sei o que vai ser do projeto que aquela turma de mulheres começou a construir ontem. Não posso nem sequer garantir que ele será selecionado na chamada pública (porque teremos um júri para isso), mas aquele encontro já foi disparador e despertou essa sensação boa de ver a roda girando e produzindo energia. E é legal saber que vem muito mais por aí.
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