#AColaboradora: uma oficina para tirar (as muitas) dúvidas sobre o direito autoral

Na sexta-feira (7/2), aconteceu a Oficina Direito Autoral como parte do processo de mentoria da A Colaboradora – Empreender e Transformar. A atividade foi facilitada por Mariana Valente, diretora do InternetLAB e coordenadora do Creative Commons Brasil.

Na apresentação da oficina, a advogada explicou que a oficina é pensada a partir de uma perspectiva de equilíbrio entre a utopia na qual os criadores são bem remunerados e respeitados e o acesso de qualidade, que fomenta o ambiente da criatividade.

Mariana Valente explicou que, antes da internet,  o direito autoral sempre esteve vinculado à proteção e ao fechamento de ideias. Com a cultura digital e os movimentos de acesso ao conhecimento, surgiu a possibilidade de questionar ou enfrentar a lógica do poucos recebem muito e muitos recebem pouco, da falta de acesso, ou do acesso sem a remuneração ou nomeação dos autores.

Conversamos com Mariana Valente nos fundos do LAB Procomum sobre o porque discutir direitos autorais, colaboração e outros temas.

Victor Sousa: Hoje o encontro a oficina foi marcada por muitas perguntas. Todo o tempo os artistas ou empreendedores estavam expondo dúvidas, em diferentes áreas. Eu particularmente fiquei muito impressionado com o número de perguntas dos participantes. É sempre assim?

Estou acostumada a sempre responder muitas perguntas. Percebi que as pessoas têm necessidade de respostas para problemas cotidianos e que o direito autoral não é um tema disseminado.

O tema sequer é amplamente debatido entre os advogados, são pouquíssimas faculdades de direitos que têm matérias com essa tema – e talvez apenas em uma universidade de todo país seja obrigatória. Não é um tema abordado nos concursos da OAB e vivemos em um mundinho de advogados que atuam ou conhecem o tema.

Porém, para quem atua no campo cultural de criação é um tema que toca a vida cotidiana. E o direito autoral costuma aparecer, seja para artistas ou receptores, como proibição. Ou seja, eu não posso fazer as coisas por causa do direito autoral. E isso tem relação em como o tema e os autores apresentam-se.

É difícil encontrar materiais ou debates que apresentem uma perspectiva de soluções para essas questões, tanto as cotidianas, como as complexas. Porque sim existem proibições, mas é possível lidar com elas. E há outras questões que são mitos.

E quando apresentamos a perspectiva do que podemos fazer com as próprias criações, de como proteger-se até como liberar, permitir usos, ser criativos, a complexidade da questão aumenta.

Então, respondendo a sua pergunta, é muito comum as pessoas terem muitas dúvidas, mesmo em espaços não vinculados a esse debate, as pessoas usam redes sociais e plataformas de streaming. Então, podemos dizer que são temas que tocam a vida cotidiana e não são amplamente debatidos.

Victor Sousa: E como levar o debate do direito autoral como parte do incentivo para a colaboração, entendendo que boa parte dos artistas, empreendedores ou fazedores necessitam de respostas mais urgentes e imediatas? Normalmente as pessoas estão afogadas em problemas que são particulares, econômicos e da vida real.

São questões fundamentais e muitas vezes falta sensibilidade, mesmo dentro do campo daqueles que militam pelo acesso ao conhecimento. É muito comum falar desse assunto sem considerar problemas e questões particulares, como o mundo funciona e ainda exigir determinado comportamento ético de atores que estão mais frágeis diante da cadeia de produção.

E dito isso, acredito que a mudança de um paradigma individual proprietário para um paradigma de colaboração é fundamental. Por um lado, nas possibilidades das tecnologias disponíveis, e como podemos produzir mais facilmente do que há poucos anos. E, por outro lado, da necessidade de abordar o mundo de outras formas, tendo em vista todos os problemas e questões sociais do mundo.

O desafio é encontrar como fazer isso e, ao mesmo tempo, valorizar o trabalho cultural das pessoas. Principalmente de quem necessariamente não está inserido – ou não vai estar inserido – na grande indústria, por principio ou nicho, em um mercado que dá mais dinheiro, de valor econômico grande.

Acredito que esse desafio tem sido observado pelo movimento de acesso ao conhecimento. Quando começamos a falar de colaboração, do acesso ao conhecimento na década de 2000, o movimento foi pintado como anti-criador. Éramos questionados por falar em colaboração, mas não falar sobre os criadores. Eram poucos músicos, por exemplo, que se envolviam ou apoiavam o debate.

VS: E muitos entendiam o movimento como um ataque aos direitos do autor….

Primeiramente, não é fácil fazer com que parte dos artistas que já têm vínculos com a indústria se voltarem contra essa indústria. Temos que entender já existe uma relação e uma maneira das cosias funcionarem. E, por outro, uma falha porque os criadores têm que estar próximos a esse debate.

E não acho que ninguém pensava que o criador não tinha que receber dinheiro ou viver da sua criação. Por isso, sempre começo falando da utopia, do acesso pleno ao público e a possibilidade que os criadores possam viver da sua criação.

Lembro que sempre falávamos que a remuneração não precisa ser realizada pelo direito autoral. O artista pode vender camisetas ou fazer shows para conseguir renda. Mas é um pouco mais complexo do que isso. Pensamos no compositor, por exemplo, a pessoa que não vende camisetas, não aparece para publicidade, não dá show. Qual é o mecanismo de remuneração para esse perfil?

A defesa do autor e as possibilidades de acesso não estão uma contra a outra, a questão é: Como e em que lugares pode encontrar as possibilidades de colaboração e também pensar estruturalmente, a transformação também dos mercados, de como eles funcionam. Como as coisas podem começar a estar aliadas.

VS: E porque será que esses temas acabaram se distanciando ou contrapondo tanto?

Fiz minha tese sobre a história da lei do direito do autoral e nada mais legal do que descobrir algo que você realmente não esperava e que mexe com suas concepções. O debate no Brasil, naquele momento, entre 89 e 96, estava em outros termos.

Existiam grupos de pessoas que defendiam os criadores e a indústria (que também dizia que defendia a indústria). E eram esses campos que ficavam no embate.

A perspectiva de sócio-cultural e do acesso ao conhecimento não aparecia nesse momento. Não existiam organizações que promoviam esse debate. No Brasil, esse debate começou com a internet.

Comecei a pesquisar quais eram as posições consideradas progressistas nesse momento. Ela era representada pela oposição de esquerda e os artistas ( a maioria lutadores contra a ditadura). E a posição desse grupo era super maximalista – o que significa amplíssimos direitos para os artistas, como direitos vitalícios para os herdeiros, a não possibilidade de uso para reproduções não comerciais e muitas limitações. As poucas exceções, como a para fim educacional, mantinham somente o direito a citação.

A ideia era que o criador autorizasse e justificasse tudo. De que quem queria usar de graça era a grande indústria, a televisão e as rádios e não o público. E se esses meios querem usar gratuitamente deveriam pedir diretamente ao autor.

E quando olhamos para essa lógica você pode enxergar problemas apareceram depois. Porque anão conseguimos nos engajar com alguns autores e trazer o debate para pensar um campo cultural justo.

Na visão da oposição de esquerda e dos artistas, a perspectiva do acesso era conceder direitos para a TV Globo. E talvez essa seja uma questão central de não conseguimos discutir uma vida justa para os autores e o acesso democrático e descentralizado dos recursos de cultura para o público.
Temos que encontrar uma linguagem comum.

VS: Isso me faz pensar como outros problemas como a concentração dos meios de comunicação e a questão do não respeito à concessão pública pode rebater aí…

Isso é realmente muito importante. Nós não conseguimos pensar o campo como um tudo. É você pensar o que é mídia no Brasil, o que é produção no Brasil, quem são os autores econômicos. E a questão da Globo é bem particular, uma major que é, a o mesmo tempo, produtor e utilizador. O tema é pouco discutido.

E precisamos olhar essa questão a partir do nosso território, a partir de como organizaram-se todos os conglomerados, como os artistas, as histórias das associações de gestão coletiva ,também. E como desenvolveram-se os problemas que temos hoje.

Como citei, apesar do posicionamento conservador da oposição de esquerda e dos artistas na criação da lei do direito autoral, eles apresentavam uma perspectiva interessante: de como o direito do autor pode democratizar o poder. Afinal, faziam frente aos conglomerados econômicos. E eles queriam que as pessoas ( e reafirmo o termo, as pessoas), sejam remuneradas e não exploradas.

E também conversei com pessoas dessa época durante minhas pesquisas que afirmaram que agora, depois de anos, reconhecem que entendem também os pontos do acesso ao conhecimento que antes não conseguiam enxergar.

2560 1707 Editor
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