Alê Almeida, 36 anos, bailarino, tem gêmeos em casa: um menino e uma menina de 7 anos.
Ele conta, sorrindo, sobre suas tentativas de entender esse fluxo intenso de energia que vem das crianças, principalmente durante esse período de isolamento, quando é fundamental permanecer em casa.
Estamos no 4° mês de quarentena e, a essa altura, a rotina parece mais fluida; não no sentido de normalizar esse período sombrio que vivemos, mas pensando nas demandas domésticas, de trabalho e com as crianças, principalmente com elas!
Os gêmeos fazem tudo juntos, desde as brincadeiras até os momentos de estudo. Alê lembra que os pequenos sentiram muito a ruptura desses privilégios da infância como andar de bike, brincar na rua, visitar o primo que mora no interior e ir à escola, onde tinham contato com outras crianças.
Com paciência e sabedoria o bailarino tenta minimizar as dificuldades no isolamento, mas não é fácil. Na verdade a vida de Alê nunca foi fácil. Seu corpo e sua mente resistiram a inúmeras formas de violências, dessas que infelizmente um homem preto, latino-americano, homossexual está exposto diante de uma cultura que se pretende hegemonicamente branca.
Penso no poder que a arte tem de nos manter vivos em situações inimagináveis, penso no poder de Alê.
Durante a nossa troca perguntei, a partir das suas vivências, o que ele acha sobre os gêmeos no ballet e a relação com a violência e o racismo nesses espaços. Me respondeu dizendo que por serem crianças pretas e periféricas estão vulneráveis em diversas camadas, mas que sempre fará o possível para minimizar qualquer dano. E que ele não os influencia a dançar profissionalmente, acha ideal que eles possam decidir o que fazer de seus corpos, mas entende que o movimento da dança está inserido no dia-a-dia dos sobrinhos pois eles o acompanham e, por vezes, participam das pesquisas e processos criativos.
Quem é artista e tem crianças em casa sabe que a percepção de uma criança sobre o nosso fazer artístico se manifesta como brincadeira e, em sua casa, Alê utiliza esse disparador para conciliar treino e o tempo com os pequenos.
Ele conta que com o isolamento as demandas se multiplicaram e por consequência a atenção com as crianças também. Lamenta não poder passar o dia todo envolvido nas brincadeiras, mas faz questão de afirmar para os sobrinhos que ele está lá, atento e disposto.
O bailarino tenta não criar expectativas sobre a nova normalidade e aguarda ansioso pelo retorno de tudo que esteve presente em sua vida antes do isolamento. No fundo deseja que a humanidade reflita sobre como somos iguais nas nossas diferenças, que fazemos parte de uma mesma comunidade e que devemos ser responsáveis por todo amor e dor que causamos.
Ele tem fé, mas como bom capricorniano é pé no chão e duvida que haja uma redenção da raça humana após a pandemia. Ele fala de fé na vida, talvez essa mesma fé que o mantém de pé, apesar de tudo.
Alê é um desses encontros cheios de afeto que a arte me proporciona. Não por acaso, acredito que aspectos sociais, econômicos e ideológicos guiaram nossos caminhos até essa encruzilhada.
Eu celebro esse encontro!
Axé
Atual, comovente e muito bem escrito.
Parabéns pela obra!!!