santos, 14 de setembro de 2020.

nina,

como anda teu corpo-coração quarentenal?! de cá torço para que esteja vivo em força e beleza. assisti o “floresta”, um sonho teu que me fez imaginar que sim. 

mulher, desculpe a demora em responder tua última carta. tu pediste para eu falar sobre plantas, mas me deste o mar para pensar. levei alguns dias para chegar à beira, mas foi bonito. nos primeiros cinco gastei muita energia nadando. confesso que não sabia muito o que buscava. a cada respiração, entre braçadas, uma imagem era desenhada, se misturava com as ondas e escurecia. à noite elas vinham com mais força e permaneciam em minha cabeça por mais tempo, fazendo surgir algumas histórias. talvez porque as ondas crescessem com a lua, me fazendo segurar a respiração por mais tempo para furá-las. minha sorte é a de ter aprendido a nadar nos mares desérticos e brilhosos da praia do futuro. lá, se não temos respeito, eles nos levam embora. 

pois bem, um dia quase me afoguei e numa das tentativas de alcançar o céu, lembrei de minha avó. sempre que sentávamos pra “debuiá” o feijão-verde, que ficava em montanhas espalhadas pela sala onde comíamos e o fuxico aumentava, ela nos acalmava perguntando aonde ficava um tal de oceano atlântico em que uma estrela caiu. “DIZEM QUE CAIU UMA ESTRELA NUM TAL DE OCEANO ATLÂNTICO, MAS ONDE SERÁ QUE FICA ISSO?”. não conseguia entender porque existia um oceano atlântico, e nem como uma estrela poderia ter caído nele. viajava por horas tentando compreender. isso porque eu pensava: se a terra é redonda, ela tem um mesmo mar conectando humanos, terras e bichos. porque existiria então um oceano distinto? e se o céu deita sobre o mar à noite e é coberto por um manto estrelado, como poderia existir uma estrela caída?! 

tudo fazia ainda menos sentido quando minha mãe explicava que um dia dona olga, sua mãe, contou que as estrelas brilham nos chamando. e eu me entristecia imaginando essa estrela que chama crianças perdidas.
me perdi nessas lembranças de infância e não me dei conta que sonhava boiando. 

amiga, me permita uma pausa para dizer que à época estava lendo o “oráculo da noite”, a autoria dele é de um neurocientista que mais parece o loyola de brandão escrevendo, sidarta ribeiro, e que esse livro me fez compreender que precisamos sonhar para nos compreendermos e vivermos melhor. sonhar é liberdade ou estou ficando louca? enlouquecer sonhando me parece uma viagem boa. 
banhada pelas lembranças sonhadas, percebi que o melhor seria deixar meu corpo boiar para chegar em alguma orla. cansaria menos e aproveitaria mais a beleza das paisagens que me eram dadas. fui boiando então, até que passados 10 dias meu corpo amanheceu em uma terra pisada por homens. vivo nela agora. nina, não é bonito. fica em um mundo que recém chegou, com uma gente que não sabe falar sobre o que existe entre o céu-mar, ou sobre a lua do sertão, mas me quedo por aqui porque há uma outra gente que abre a caixa de pandora. e não é a pandora dos homens, é a pandora de gaia. uma mulher que é rebento de fogo e vida. tem muita gente andando com ela. me lembrou de clarice contando que um dia encontrou um perfume chamado “imprevisto” numa loja. desconfio que quem anda com essa mulher usa esse perfume. gosto do cheiro e escolhi me banhar com ele, tenho vivido melhor assim por aqui. agora estamos aprendendo a debulhar vagens. engraçado, serão as mesmas que debulhava com minha avó?!
como sempre falei muito, né?! perdona. deve ser a saudade. me mande notícias tuas assim que possível.

 

besos,

sol.

obs: não falamos sobre as plantas marítimas, né?! talvez noutro momento.

 

(feito à partir do projeto “21 ações para mulheres & plantas” articulado por Marina Guzzo)

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