por Rodrigo Savazoni
Diretor Executivo do Instituto Procomum
(artigo publicado no jornal A Tribuna, 3 de setembro de 2021)
Há cinco anos fundamos o Instituto Procomum com a missão de construir um mundo comum entre os diferentes.
No início, éramos uma organização em sua maioria composta, considerando seus membros fundadores e conselheiros, por pessoas brancas com trajetórias na luta político-social. Bianca Santana, jornalista e escritora, era a única negra integrante desse primeiro time, e com ela muito trocamos e aprendemos. Nem sempre de forma pacífica, porque como aponta Sueli Carneiro na publicação do Instituto Ibirapitanga sobre branquitudes, essa não é – nem deve ser – uma tarefa fácil, porque envolve muita negociação.
Cinco anos depois, fomos reconhecidos com a medalha Quintino de Lacerda, ofertada pelo Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e Promoção de Igualdade Racial de Santos. Agradecemos à nossa querida parceira Luciana da Cruz, com quem tanto temos construído, por sugerir que fôssemos premiados e todes os conselheiros que aprovaram nossa nominação de forma unânime. O fato de Luciana, que tão bem vivenciou nossa comunidade, ter nos indicado, mostra que estamos no caminho certo.
Mas que caminho é esse?
Um caminho tortuoso, mas altamente fascinante. Que passa inclusive por, na condição de homem branco, encontrar o tom certo para narrar essa nossa história, reconhecendo e repudiando o racismo que me habita, e valorizando o protagonismo das pessoas negras que entraram no movimento de construir essa organização conosco. Axé, Marina Pereira, nossa gerente de comunidades e experimentações, que recebeu o prêmio em nosso nome. Em você, louvo todas e todos que somaram, os que aqui estão e os que vieram antes de nós.
O reconhecimento por parte desse importante conselho da comunidade negra santista se deve ao nosso compromisso com a equidade racial, sem a qual jamais haverá democracia no Brasil e no mundo. Essa luta, protagonizada pelos negros e indígenas, deve ser apoiada, em aliança, por todos que queiram colocar seus corpos, mentes, espíritos e virtudes na luta contra o racismo estrutural.
No Procomum, temos tentado contribuir para o fim do clube privativo da branquitude por meio de nosso laboratório cidadão. O LAB Procomum é um espaço em rede autônomo que funciona fomentando comunidades de prática e gerando diálogos, parcerias, negociações e construção de novos consensos baseados nas diferenças.
No LAB, em todos os nossos projetos, estabelecemos mecanismos afirmativos para a seleção de negros e indígenas. Isso nos garantiu, até aqui, a formação de grupos plurirraciais, com atenção especial também às questões de gênero. E nos permitiu gerar um ambiente de confiança entre nós. Atualmente, somos uma organização cuja equipe é de maioria negra e onde a maioria dos participantes de suas atividades é negra. Ou seja, que se parece efetivamente com o que é o Brasil, um país em que as pessoas negras são a maioria (54% da população). Não fosse o racismo, essa seria a paisagem dominante em todas as instituições deste país.
Por fim, vale destacar que esse compromisso com a agenda de equidade racial nos levou a promover o projeto Memórias, Narrativas e Tecnologias Negras na Baixada Santista, que deu origem à pesquisa Memórias Apagadas da Terra da Liberdade. Um projeto que, por meio da arte e da inovação, busca evidenciar o protagonismo das pessoas negras na conformação desta região em que a ocupação europeia do Brasil teve início. Um protagonismo que é político, epistêmico e estético e nos permite visualizar uma outra história do Brasil.
Para nós, a memória é o substrato que alimenta e fortalece a luta política do presente, permitindo que nos vejamos e entendamos de uma forma em que o racismo e a violência não tenham vez. Assim, Quintino de Lacerda, um dos articuladores do Quilombo do Jabaquara e primeiro negro vereador na história do Brasil, aqui na cidade de Santos, há de nos inspirar na continuidade deste trabalho que só se justificará, por fim, quando a discriminação, o racismo e a violência deixarem de ser a regra dominante.
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