Começou a dar as caras no dia 23/11/2022 no Saguão Amarelo do Procomum este zine que sempre foi um sonho no meu coração.
BXD STS é o fragmento de um projeto maior, sonhado por mim há muito tempo que consiste em publicar coletâneas de Zines (também conhecidos como FanZines) com temáticas voltadas para questões que emergem através da minha vivência quanto um ser social e também da minha interpretação de certas realidades através destas vivências e também de estudos e formas de olhares que fui adquirindo quanto estudante de Serviço Social.
Quando entrei na Coolaboradora 2022, enxerguei uma oportunidade para além de abrir estes caminhos, fazê-lo da forma que eu sempre quis: possibilitando que fizesse diversas cópias e distribuísse de forma gratuita.
Foram destas raízes que foram nascendo este Zine, este trabalho que para mim foi uma experiência completamente nova: tanto por estar em um ambiente o qual nunca havia estado antes, tanto por estar trabalhando pela primeira vez com uma verba de apoio que fosse possibilitar a realização do meu trampo, tlgd? Sendo uma artista mulher, pobre, periférica, lgbtqiapn+, existem algumas coisas que permearam sempre na instância dos sonhos, pra mim, e na realidade sempre esteve o trabalho “formal” (aquele que não tem nada ver com arte e com os sonhos, não necessáriamente o fixado) e a correria atrás da sobrevivência. Foi muito importante para o meu processo artistico ter o acesso à estrutura básica pra botar em prática algo que eu sempre quis fazer, mas que antes, não tinha estrutura.
Também correu das experiências das vivências e andanças minhas pelas ruas. Andanças pelas periferias, pelas ocupações, pelas ruas, pelos movimentos sociais que formaram o meu jeito de ver o mundo através da realidade que era apresentada pelas diversas pessoas que estão, vem e vão nestes espaços e lugares. Foi juntando tudo isso com a proposta da Coolaboradora de trabalhar em cima de temáticas que se relacionassem com o território, que eu escolhi o tema do zine.
O território do Mercado Municipal é uma verdadeira galeria de arte a céu aberto. Andando pelas ruas e até mesmo no próprio monumento do Mercado é possível enxergar diversas intervenções, desde adesivos; tags (escritas com uma determinada estética feitas nas ruas e espaços urbanos); lambes; grafites e pixos. Também é um território marcante para o movimento do pixo da Baixada Santista, território que abriga as andanças de muitas e muitos pixadores da região e de outros lugares dos país.
Juntando tudo isso na mochila, foi que nasceu o BXD STS – TERRA DA HIPOCRISIA
Esse zine vem como uma provocação, uma denúncia, um convite à reflexão e à informação através da contestação do que realmente está em jogo no meio das relações de poder que perpassam este território e a realidade das pessoas que passam ali, focando na realidade das pessoas que pixam e na realidade da execução da lei ambiental na Baixada Santista. De forma sucinta e objetiva, busquei demonstrar que a punição que determina a lei, para crimes ambientais é relativa e está ligada a fatores de raça/etnia e classe.
O pixo é um movimento artístico de contracultura, originalmente brasileiro, nascido através de mãos pretas e periféricas e é importante citar: trabalhadoras (digo que é importante por haver um grande estígma de que a pessoa que pixa é “vagabunda”, “desocupada”). De 1970 para 1980 através das influencias ideológicas e estéticas do movimento PUNK foi que surgiram as primeiras pixações na cidade de São Paulo através das mãos de Juneca e Pessoinha Bilão. Nesta época estava rolando um verdadeiro rebuliço na capital de São Paulo, várias forças populares estavam emergindo das periferias e invadindo as ruas do centro, com manifestações culturais de diversos povos e todas elas se propunham a ir na contramão da lógica hegemônica de arte e cultura, por isso o nome de “contra-cultura”. O povo estava tomando de assalto o seu espaço na cidade, tomando de volta aquilo que os foi roubado através do processo de colonização do Brasil, tudo isso utilizando a cultura como abridora de portas, caminhos e como força motriz.
O pixo, também conhecido como pixação, é uma prática artistica que desafia as instituições da propriedade privada e questiona diretamente as relações de poder: quem manda na cidade? quem determina quem pode ou não manifestar e expressar sua voz através de suas próprias linguagens?. É um movimento artistico independente, criminalizado, estigmatizado. Possui desde os anos 80 diversas pessoas que estão espalhadas por vários lugares do país e atualmente, é admirada por diversos artistas urbanos de fora do país que enxergam sua autenticidade e originalidade. Possui parâmetros estéticos, modalidades, valores.
Segundo o artigo 65 da Lei 9.605/98, a “pichação” se configura como um crime de caráter ambiental, por “desvalorizar, agredir e ferir o meio ambiente e não possuir nenhum valor artístico” (segundo interpretações da lei), sendo assim, as pessoas que são flagradas cometendo tal ato, são conduzidas à delegacia e penalizadas, ficando submetidas a cumprirem penalidades como: detenção de três meses a um ano ou pagamento de multa.
Fora a questão jurídica também existe uma “questão social” entorno do estigma em cima do pixo, que faz com que até mesmo pessoas do meio da arte (até do próprio “grafite”), recriminem a prática artística e reproduzam preconceitos em relação as habilidades das pessoas que pixam e quem elas são ou deixam de ser como seres sociais. Desde que o pixo é pixo, diversas pessoas já foram detidas, presas, punidas com multas (desde as mais baixas até as de milhares de reais – a depender da proporção da pixação e de quem é a propriedade que ela está relacionada), perseguidas e até mesmo mortas pelo simples fatos de estarem pixando. Tanto na mão da polícia e da justiça, quanto na mão das pessoas de bem, que possuem por tarefa divina o dom de proteger a todo custo a propriedade privada (mesmo que ela não seja da própria pessoa) do terrível ataque destruidor da tinta de uma pessoa. A própria lei humilha a prática artística reduzindo seu valor e colocando-a como agressora do meio ambiente.
Agora para e pensa um pouco: em qual estrutura social está inserida esta lei que fala uma coisa dessas e estimula todo esse processo de estigmatização social acerca do ato de píxar?
Isso mesmo, nesta que a gente vive há muitos séculos, também conhecida como capitalista, onde diariamente diversos danos ambientais de larga escala são cometidos pelas empresas de tecnologia e desenvolvimento, danos estes que muitas vezes são irreversíveis ou dificilmente reparáveis. A que ambiente a pixação agride?
O ambiente de uma sociedade dividida entre pessoas que possuem muito mais que as outras, o ambiente onde se espera que tudo seja feito abaixo da concessão e autorização de quem detém o poder, o ambiente que reprime historicamente toda e qualquer manifestação cultural dos povos pretos e periféricos.
Pensando nisto eu decidi trazer como prova atual no território da Baixada Santista alguns crimes ambientais que classifico como de “grande impacto”, para isto eu articulei com o NEPSSA – Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Saúde Socio-Ambiental da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo). Este núcleo existe desde 2010 e é coordenado pelas professoras e doutoras Silvia Tagé e Ana Maria Estevão e faz parte do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva. Ele promove estudos e pesquisas no território da Baixada Santista sobre questões que envolvem a realidade das questões ambientais que perpassam o territorio além de, através das extensões atuar diretamente na promoção de políticas públicas e no cuidado e acompanhamento da população que é afetada por estas mesmas questões, e do “Observatório da Saúde Socioambiental” .
O Rui, estágiario do NEPSSA realizou um levantamento de dados através das informações adquiridas pelo acompanhamento de três casos que ocorrem/ocorreram na Baixada Santista:
- A Cava Subaquática (2015 até hoje em Cubatão);
- O Caso Rhodia (1974 a 1993 em Cubatão, São Vicente e Itanhaém);
- O Incêndio da Ultracargo (2015 em Santos).
Para responder as seguintes perguntas:
- Onde ocorreu o impacto ambiental?
- Quais foram os prejuízos econômicos?
- Quem foram as pessoas afetadas por este impacto?
- Quais foram os prejuízos ambientais?
- Quais é a situação do processo na justiça e/ou em outras instâncias?
Daí eu misturei imagens que encontrei na internet pesquisando o nome do impacto, fotografias da Lola Magalhãez (fotógrafa e produtora audivisual, criadora do Selo Mali e pixadora) tiradas no território do Mercado Municipal de Santos, notícias sobre punições ocorridas com diversas pessoas que pixam pelo brasil afora, um texto que eu mesma escrevi, e as ilustrações do VG Caras (artista plástico, visual, digital e pixador), um desenho pra capa inspirado em peças clássicas da pixação da Baixada Santista, realizadas por diversos artistas com a mesma estética (que mostra os prédios da orla da praia) e pra finalizar uma folhinha que reúne diversos nomes da pixação da Baixada Santista, tudo isso com as mãos e olhos brilhantes do Chagas da Selva (poeta, músico, escritor, arte educador e designer) e as orientações e mãos e olhos serenos e sagazes do Gabriel, meu mentor (artista visual, grafiteiro e integrante do Coletivo Etinerâncias).
Deste zine também nasceu o Selo “Culpa/Responsa”, que surgiu em uma das reuniões de elaboração da diagramação que eu tive com o Chagas, onde estávamos conversando sobre a desigualdade nestas relações de poder que existem nas cidades e como nós que nascemos no olho do furacão não temos culpa do mundo ser como é, porém ao mesmo tempo, temos a responsabilidade de enxergar a realidade e agir para que ela mude e seja diferente.
Socializo aqui, uma versão adaptada para visualização on-line do Zine e expresso que é um conteúdo copyleft: livre para reprodução, impressão, cópia, edição e distribuição para qualquer pessoa humana ou ser que queira fazer uma dessas coisas com o zine.
Agradeço à todas as pessoas que me ouviram contar dessa ideia e apoiaram autorizando eu a colocar o seu pixo na folhinha.
Agradeço às minhas parceiras e meus parceiro de pixação que acreditam no meu corre e me mantém viva na rua e na arte. (um salve pra Cátia, um salve pra Manu e pra Laila, um salve pro Encontro Todes, um salve pro Caíque);
Agradeço ao NEPSSA por terem preparado um momento de reunião presencial para escutar minha ideia e autorizar que eu coletasse informações e ao Rui por ter dedicado seu tempo em reunir as informações solicitadas;
Agradeço à Lola, ao Chagas, ao VG por acreditarem no meu corre e me fortalecerem com suas próprias artes e trabalhos fazendo com que este zine seja uma obra ryca e inestymavel;
Agradeço ao Procomum pelo apoio$$$$ que possibilitou que eu materializasse este sonho desta forma e ao Gabriel que mentorou o processo, colocou a mão na massa na hora do desespero e fortaleceu também na diagramação!
Só tenho a agradecer e espero que vcs gostem se não gostar tbm: pode criticar kkkkkk
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