Encruza

De 22 a 30 de novembro aconteceu o 1º Festival de Cultura e Comunidades da Bacia do Mercado: o Encruza! Depois de 02 anos mais reclusos por conta da pandemia, o festival celebrou 2022 a potência da comunidade e território onde o Lab Procomum está inserido, além de estabelecer novas perspectivas para 2023. Foi uma explosão de emoções inesperadas que aconteceu de forma mágica, superando qualquer expectativa e surpreendendo até as pessoas mais assíduas do nosso Instituto. 

Todas as atrações foram gratuitas e aconteceram nas ruas da Bacia do Mercado que é a região embrionária no surgimento da cidade de Santos, muito embora às vezes se revele preterida pelo poder público. 

 

Nossa encruzilhada é local de possibilidades, encontro de caminhos e mudanças. Exu é energia de troca e, sob estes pilares exuísticos, se construiu um festival plural cujos caminhos provenientes se pretende percorrer por muito tempo. Comunidade, Instituto, organizações, parceires e toda uma rede celebrando e construindo. 

 

Abrimos com André Yassuda ministrando a oficina Desenho e Emancipação, uma atividade na qual materiais de desenho eram disponibilizados para que os participantes pudessem desenhar livremente durante horas. Abrir o festival com uma oficina cujo nome leva a palavra “Emancipação” foi simbólico. Nas rodas de conversa, papos informais, círculos formativos sempre vêm à tona questionamentos a respeito dos métodos tradicionais de ensino, que muitas vezes tolhem saberes individuais e ancestrais os quais sempre buscamos resgatar durante os processos que acontecem no IP. Todo saber é bem-vindo e a emancipação permite prosperar o inesperado. 

 

E a emancipação da nossa comunidade nos levou a construção do Encruza: não sabíamos ao certo tudo que nos esperava, foram muitas as surpresas em especial a quantidade de gente muito talentosa da nossa comunidade: atrizes que cantam, professores que pintam, rappers que são exímios capoeiristas e por aí vai. Seguimos para o Clube do Choro após a oficina de Yassuda, lá aconteceu coquetel temático de abertura, teve cocada, acarajé, cuscuz e Rodrigo Savazoni, nosso Diretor Executivo, abrindo caminhos e nos lembrando que estamos em um ano de vitória, mas o próximo será de muita luta “Não estamos entrando no céu, apenas saindo do inferno”.

 

Soledad Maria, a nossa cantora coordenadora de Expansão e impacto, que deu o sangue e a voz para ver o festival acontecer, subiu no palco e cantou Gal ao lado de uma banda inteirinha orgulhosamente proveniente do Ceará. Sol canta Gal há anos e chorou quando, no dia 9 de novembro, a cantora nos deixou sem sua companhia neste plano. Ainda assim, Sol cantou atenta e forte que não temos tempo de temer a morte. 

No segundo dia de Festival, rolou oficina de cachepô bem na entrada do Instituto, avisando assim que as portas estavam abertas e que todes poderiam chegar, quem chegou pôde ver a abertura da exposição Pedra que Voa do participante da Colabora Artes e Comunidades 4 Edição, Jean Pierre Pierote, performance/ apresentação de Zine da Laiza, também participante, e exibição do que rolou no Afrocena. Para aqueles que ainda tinham fôlego, Encruza ofereceu música boa no Estúdio El Sonido localizado na rua Brás Cubas. A diversidade de atrações é reflexo da diversidade da nossa comunidade, públicos diversos unidos por propósitos em Comum como a democratização dos acessos à arte, cultura e educação e por falar em democracia, o terceiro dia de festival teve sabor de retomada dos nossos símbolos, ruas pintadas pela comunidade sob direcionamento da Fixxa e do Colante, telão na rua, transmissão do primeiro jogo do Brasil x Sérvia, Dj Lufer, e, para a loucura do bairro, Dj Baphafinha, um dos precursores do funk no Brasil. Pessoas de todas as idades vibrando a vitória do Brasil e pedindo por mais dias de festa do IP nas ruas da Bacia Mercado, foi lindo estar, vibrar, ver e sentir.

As Catraias são um ponto alto da região, é por lá que circulam as barcas que fazem o transporte de pessoas entre Santos e Vicente de Carvalho, o local foi o escolhido para que o Quarteto de Cordas emocionasse, ao executar compositores como Heitor Villa-Lobos e Bach, pessoas que circulavam e/ou habitam aquele espaço. Para Caio, multi-instrumentista do quarteto, são estes os lugares onde a arte deve chegar, pois quem tem pouco contato com ela, a recebe de forma diferente, interage e se emociona genuinamente. No mesmo dia e lugar rolou a performance da Companhia Aplauso cuja  apresentação trouxe olhos intrigados. A interação do povo de rua deu a unicidade que todo espetáculo de rua desfruta, em “Origem Cupiaataã: Andarilhas de uma grande estrada”, apresentado pela Cia. Uzina, na encruzilhada da Rua Uruguai com a Rua Campos Sales, a interação aconteceu com os garotos que por ali circulam, o espetáculo itinerante dialogou e provocou os meninos que seguiram atentos a peça itinerante até o final e se não fosse por intervenção de diretora, teriam desembocado junto com os atores até seus camarins alocados no Instituto Procomum, onde Aline, também participante da colaboradora, e sua percussão entoavam o espetáculo LIA. A noite terminou em festa no Clube do Choro, teve Curumin, Banda Zodíaco, Discolada, Sonido Yaguaro e muita gente feliz para fechar o dia. 

Se a ideia é encontrar, sábado fez jus ao objetivo, a programação contava com Samba de Coco, Samba de Roda e Capoeira em sequência, mas quem veio viu Mestre Caco da Capoeira tocando berimbau ao lado de Mamute do Samba de Coco pra Nego Panda do Samba de Roda sambar. Todos eram de tudo porque todas as linguagens conversavam, segundo Mestre Caco, a capoeira e o samba estão em todos nós. “Coisas mágicas acontecem”, disse Marina Paes, Gerente de Educação do IP. Entramos no Galpão Multiuso para ver o documentário sensível da Letícia dando voz a mulheres negras da Baixada e quando saímos, o Malabarista Ambidextro havia montado todo o cenário de seu espetáculo. Noite e chuva caíram, o Bloco Black formado por rappers integrantes da Colaboradora encheu o Procomum de orgulho. Allure, Neguinha Braba, Preta Jô e Chagas juntos dividindo o palco e dando sentido ao que fazemos aqui no IP. Augusto Pakko encerrou as apresentações no Galpão, mas o dia terminou na festa Alce Negro: funk, rap, house dando ritmo ao movimento da juventude negra e LGBTQIAP+ da Baixada Santista até as 7h do dia seguinte.

 

Ocupar as encruzas exige cuidado e não existe cuidado sem amor. O Olhar Marginal, responsável pelo registro fotográfico impecável das atividades também entrou na programação e saiu pelas ruas colando lambes com mensagens para aquecer corações mornos que aquecidos foram presenteados com a vibração das Alfaias do Bloco de Maracatu Oju Obá e com a voz potente de Preta Jô, mas poucas coisas poderiam marcar tanto a história do IP quanto a Collab Pride organizada por Magenta e Paty Miau, integrantes da Colaboradora, juntas fizeram Broadway do Galpão Multiuso, 11 Drags Queens em cena apresentando 11 shows com 11 temáticas diferentes e dezenas de pessoas assistindo em êxito, impossível passar ileso por tudo que aconteceu e por todas as pessoas que estavam ali. Um orgulho enorme para o IP. Após a apresentação, Magenta falou a respeito da desvalorização daquelas artistas e da importância do fortalecimento da cena Drag na Baixada Santista. Maquiagens, figurinos, performances impecavelmente pensadas e executadas.

Os caminhos são infinitos, a construção da imagem de Exu, guardião das encruzilhadas, costuma ser carregada de características lúdicas e da força da linguagem. Já caminhávamos para o final do festival, mas o Procomum ainda deu espaço para coreografia “Come as you are” da Eleonora e da Diez, para a roda de conversa do GT Biblioteca Viva e exibição dos documentários “Colchão de Pedra” e “Pastinha! Uma vida pela capoeira”.  O último dia do festival trouxe a exibição de OmiAbay, trabalho desenvolvidos durante o LAB Relâmpago, mágica com Mr. Duds nos corredores e roda de samba dos colabs no Galpão Amarelo. O fechamento foi de Joana Chaves com o espetáculo “Soul Corpa: amor, boates e a capital da AIDS”, Joana cantou Elza, cantou Angêla Rorô, cantou mais e contou histórias de mulheres trans da cidade de Santos. A impressão que deu é que ninguém naquela plateia estava preparado para a potência de Joana.

 

Cumprimos nosso propósito, ocupamos encruzas, abrimos caminhos, realizamos trocas e fomos agraciades pelo impacto do talento das pessoas que nos rodeiam. Foram mais de 60 pessoas envolvidas na execução deste projeto, mais de 12 menções na mídia local, mais de 1000 pessoas em nosso público itinerante, incontáveis conexões e imensurável gratidão. O Instituto Procomum fecha 2022 com caminhos abertos para construir mais e mais em 2023.

 

Imagens: Olhar marginal

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