POR JOANA CHAVES
O 13º Congresso GIFE, evento que reuniu lideranças, dirigentes de organizações da sociedade civil, acadêmicos, consultores e representantes de governos para compartilhar ideias e propostas sobre a Filantropia, ocorreu em Fortaleza, Ceará, entre os dias 7 e 9 de maio de 2025. Pela primeira vez, o evento foi realizado fora da região Sudeste, trazendo como tema central a desconcentração de poder, conhecimento e riquezas. Foi a minha primeira experiência em um evento de grande porte fora do território em que atuo ativamente com Procomum — a Região Metropolitana da Baixada Santista. Estar em um ambiente que buscou representar a diversidade de gênero e raça, e que se comprometeu a trazer pautas relevantes durante mesas e plenárias, foi potente. No entanto, também revelou fragilidades, especialmente na articulação entre organizações de base e potenciais financiadores do setor privado.
Durante os três dias, participei de mesas e plenárias que trataram de temas que temos como eixo central na Procomum: justiça climática, participação cidadã, gênero e raça. A qualidade das discussões e o comprometimento das pessoas presentes foram inspiradores. Estar em um espaço diverso, no qual essas pautas estavam no centro, mostra que há um movimento real de mudança. Mas também ficou evidente a dificuldade de conectar organizações de base com quem tem os recursos para apoiar suas ações.
A abertura com Abigail Disney, que demonstra uma postura crítica frente aos privilégios que carrega, me atravessa. Entendo o “peso” de sua presença, especialmente diante do cenário político dos Estados Unidos e os impactos das decisões fascistas de Trump sobre a filantropia latino-americana. No entanto, uma pergunta ecoa dentro de mim: em um evento sobre descentralização de poder, conhecimento e recursos, não teria sido mais coerente priorizar mulheres negras, indígenas e LGBTQIA+ que já constroem, há anos, alternativas reais e comprometidas com justiça social em seus territórios?
As falas de Bianca Santana, Dandara Rudsan, Lígia Batista, Benilda Brito e Braulina Baniwa trouxeram inquietações potentes e um desejo grande de me conectar com outras organizações que acreditam na potência de seus territórios. Quando Lígia Batista — diretora executiva do Instituto Marielle Franco — afirma que não há impacto social sem estratégia de longo prazo, e que os modelos de filantropia devem considerar as necessidades da população negra, ela nos lembra que compromisso social exige ação concreta — e não apenas discurso.
As trocas entre essas mulheres foram reconfortantes e me trouxeram esperança e força coletiva. Elas apontam para caminhos que já estão sendo trilhados por organizações de base, assim como a nossa, que articula soluções locais com impacto macro. Contudo, faltaram espaços de escuta real por parte de quem detém recursos financeiros e poder institucional. Como avançar na construção de soluções compartilhadas se as lideranças de base seguem fora das decisões estratégicas e do acesso direto ao investimento?

Plenária de abertura do segundo dia – A escuta do território como vetor democrático de transformação social
Um exemplo positivo foi a roda de conversa organizada por 30 organizações lideradas por mulheres – na qual tivemos a felicidade de colaborar com esta ação – articulada pelo Instituto Update e realizada no estande da Open Society Foundations. Este espaço paralelo mostrou que falar sobre as dificuldades de manter equipes e projetos também é uma forma de cuidado e que diminui a solidão dentro desse setor. Ainda assim, fica a pergunta: o que acontece depois dessas trocas tão potentes? Onde estão os mecanismos concretos de encaminhamento e conexão com oportunidades reais de financiamento e fortalecimento institucional? O que o GIFE pode propor como caminhos concretos para isso?
Volto pro meu litoral de São Paulo, lembrando da sabedoria da doutoranda em antropologia social Braulina Baniwa, que em uma das mesas compartilhou a perspectiva indígena sobre a bioeconomia:
“A nova bioeconomia que existe, para nós (indígenas) sempre existiu.”
Assim como Braulina, povos indígenas, quilombolas e comunidades periféricas há muito tempo conhecem e praticam suas próprias tecnologias, baseadas em redes, cuidado e sustentabilidade.O conhecimento já existe. As soluções, muitas vezes, também. O que falta não é ideia nem potência — é reconhecimento, escuta e investimento real.
Que o campo do investimento social privado avance não só no discurso, mas na prática. E que descentralizar não seja apenas o tema do congresso, mas um compromisso com mudanças verdadeiras, construídas com e a partir dos territórios.
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