Narrativas – Pesquisa

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Quantas cidades existem sob ruas, alamedas, avenidas, praças e concreto por onde transitamos, hoje? Quantas serão as cidades construídas na amplidão das memórias que nos atravessam a todo momento? Seguramente, são em quantidade infinitamente maior àquela que nos faz supor o espaço urbano de casarões e arranha-céus que demarcam áreas de privilégios e privilegiados. Uma cidade abriga várias outras: onde se vive, onde se pensa viver e na qual se deseja viver. Todas permeadas por memórias.

Este trabalho consiste em  ́remexer` e resgatar memórias dos povos negros na Baixada Santista, sobretudo em Santos, percorrendo o território urbano de hoje com o  ́olhar` nas  ́cidades invisíveis` de outros tempos.

Ainda que História e memória sejam conceitos distintos, uma se utiliza da outra para construir narrativas, dialogando permanentemente. No entanto, a História, ao propor um registro em recortes temporais, tende a diluir memórias, principalmente as que não interessam para a abordagem desejada. Essa capacidade de diluição ganha maior poder político quando o ato de diluir tem, deliberadamente, o objetivo de silenciar e manter apagadas memórias  e narrativas pré-determinadas. Ou seja, quando a narrativa histórica se projeta para aniquilar a memória, o conhecimento, a humanidade de um povo.

Por esse motivo, o objetivo do nosso projeto não é apenas o de remover destroços para revelar o que há de belo e feio sob os escombros da história não contada. Queremos reavivar a memória, ressignificar os espaços urbanos, revelando, reconstituindo e construindo novas narrativas e práticas de convívio. Não há neutralidade na nossa intenção. Há razões múltiplas e subjetividades variadas para buscarmos compreender o quanto a população negra foi (e é) fundamental nos processos de formação da cidade de Santos e da Baixada Santista.

Progresso é possibilitar a convivência, a dignidade, a valorização dos corpos (nos espaços físicos e nas subjetividades). É preciso demolir a ideia de desenvolvimento que exclui e segrega. São séculos de tentativas de soterramento da história da população negra. Séculos de resistência para sacudir a poeira e “dar a volta por cima”.

Nossa tarefa não é fácil, sequer é uma obra com acabamento definido. Mas a história deve ser revisitada. Deve estar à vista. Viva na memória, nas narrativas, lendas, práticas e tecnologias, abrindo possibilidades diversas de combate ao racismo e à política do esquecimento.

Marcos Augusto Ferreira
Jornalista e pesquisador

Manifesto

Partimos de uma inquietação…

Como podemos evidenciar o protagonismo ancestral e contemporâneo da população negra na Baixada Santista?

Reconhecer a participação de mulheres e homens negros na formação social, cultural e intelectual da nossa sociedade, agindo sobre o apagamento sistemático destes protagonistas, é fundamental para preservação e atualização da memória e valorização da ancestralidade negra na região, que desde o final do século XIX é palco de inúmeros conflitos raciais e de importantes iniciativas da luta antirracista.

Nos inquietamos porquê

A busca por formas inovadoras de existir em coletivo, informar, engajar e mobilizar pessoas orienta o trabalho do Instituto Procomum. Pensar em novas existências para nós significa que precisamos tornar o espaço que vivemos mais inclusivo, reconhecendo, valorizando e difundindo os saberes de diferentes grupos e populações.

Considerando a nossa história social, é natural que isso passe também pelo agenciamento de reparações, reconhecendo espaços de representação e protagonismos para que possamos tecer juntes um mundo mais equânime e seguro entre diferentes.

Estamos sediados na cidade de Santos, cuja história, perpassada por desigualdades, nos move à investigação e reflexão. Para citar alguns dados:

  • Santos é considerada a primeira cidade a ter antecipado o “fim da escravidão” em dois anos em relação ao restante do país, abrigando importantes quilombos como os do Jabaquara ( segundo maior do país, depois de Palmares), do Pai Felipe (o rei batuqueiro), do Garrafão (Ponta da Praia), entre outros considerados marcos da luta contra a escravidão;
  • Foi eleita por diversos rankings a melhor das grandes cidades do Brasil para se viver, mas também acumula a classificação como terceira cidade mais segregada racialmente de nosso país;
  • Segundo o Censo Demográfico de 2000, a maior proporção de negros no Estado de São Paulo reside na Região Metropolitana da Baixada Santista, formada por 34,8% de sua população.

Apesar de ser palco de iniciativas da luta antirracista, berço e morada de personalidades negras importantes para nossa história nacional, observamos um sistemático processo de apagamento desta memória, e por isso decidimos (re) escrevê-la.

Agimos então da seguinte forma

Memórias, narrativas e tecnologias negras na Baixada Santista elabora atividades articuladas nos campos da

  • Memórias – pesquisa e documentação de histórias, personalidades, iniciativas e lugares de incidência da negritude na Baixada Santista;
  • Formação – círculos públicos para difusão de conteúdos em Tecnologias Livres, Comunicação e Memórias, Audiovisual e Território ;
  • Narrativas – criação de uma metodologia de residências criativas para artistas com enfoque na questão racial, com exibição pública de suas produções; produção de conteúdos em diferentes linguagens audiovisuais.
  • Tecnologias – formação sobre as tecnologias ancestrais e capacitação em tecnologias contemporâneas, com possível desenvolvimento de protótipos, entre os quais um mapa da criatividade negra na região;

Agimos assim porque

Somos uma organização da sociedade civil cuja vocação é impulsionar o desenvolvimento de tecnologias sociais e estimular a inovação cidadã.

Acreditamos num mundo que respeite, proteja e defenda os bens comuns (sejam estes saberes, naturais, econômicos, científicos, territoriais, educacionais, tecnológicos ou culturais);

Imaginamos um mundo no qual a sociedade esteja estruturada por meio do afeto, da cooperação, da colaboração e da defesa da vida em todas as suas formas, reconhecendo e respeitando as diferenças, em busca de uma vida plena e potente para todas, todes e todos;

Evidenciamos o protagonismo das populações sub-representadas em nossa sociedade, defendendo a diversidade de gênero, a igualdade racial e a busca por justiça econômica;

Desenvolvemos programas para apoiar realizadores, produtores, empreendedores e artistas da região na concretização de suas iniciativas, através do uso compartilhado do espaço e equipamentos, orientação, ampliação e troca de repertórios e estímulo à colaboração. Atualmente, estão em andamento LAB Procomum, a Colaboradora Artes e Comunidades e a Colaboradora – Empreender e Transformar.

Praticamos o respeito e acolhimento de todas, todos e todes como base de nossa política de redistribuição de poderes. Através de ações afirmativas em nossas chamadas públicas e de mecanismos cotidianos de proteção e salvaguarda contra a violência e a discriminação pudemos ativar uma rede estruturada na interseccionalidade entre gênero, raça e classe.

Nossa equipe (atualmente de onze pessoas) é composta por seis pessoas negras e oito mulheres, e em nossas atividades cuja participação é construída por chamadas públicas, priorizamos a participação de pessoas negras, mulheres, lgbtqia+ e periféricas.

Agimos juntos com

A equipe do Instituto Procomum e sua comunidade representado pelo grupos de trabalho GT Pop Rua Medicinal, GT Cultura Hacker, GT Invenções e Traquitanas, GT Audiovisual e GT Marsha. Construímos essa pesquisa-ação em parceria com a Casa de Cultura Tainã, Mudalab, Ike Banto, Datalabe, Nicho 54, o Grupo de pesquisa Travessia, da UNIFESP e o pesquisador e jornalista Marcos Augusto Ferreira; com a participação da Associação Cultural Afroketu, Renato Frosch, Mauro Mariano, grupo Vózavóz.

Graças ao financiamento do Instituto Ibirapitanga e da Fundação FORD.

Quer saber mais ou caminhar junto?

Fala com a gente: [email protected]

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