Durante 10 dias (após muitos meses de preparação) Etinerâncias, Instituto Procomum, Think Olga, Cotidiano Mujer, Montevideo LAB, Impulsa e Unidade Agroalimentária Metropolitana estiveram implicados em mais uma edição do LA Cuida. Desta vez o laboratório aconteceu em Montevidéu – Uruguai.
LA Cuida é o Laboratório da Economia do Cuidado idealizado pelo Instituto Procomum que procura encontrar, na América Latina, iniciativas relacionadas à Economia do Cuidado para que estas sejam impulsionadas durante os dias de imersão. Para que isso seja possível, LA Cuida viabiliza o acesso às metodologias desenvolvidas e previamente testadas pelos proponentes, a criação de redes e o aporte de cinco colaboradores a cada iniciativa.
O tema é fundamental, segundo pesquisa do laboratório Think Olga, mulheres gastam por volta de 60 horas por semana em atividades não remuneradas relacionadas ao cuidado (amamentar, lavar, passar, cozinhar…)A pesquisa também indica que, se fosse remunerado, esse trabalho comporia 11% do PIB nacional. A respeito do tema, Silvia Federici teoriza desde a década de 1970 e dispõe de um material que pode ser consultado em sua bibliografia.
Graças ao meu envolvimento no movimento de mulheres, eu me dei conta de que a reprodução de seres humanos é o fundamento de todo sistema político e econômico, e que a imensa quantidade de trabalho doméstico remunerado e não remunerado, realizado por mulheres dentro de casa, é o que mantém o mundo em movimento. Silvia Federici
Existe uma série de formas de se abordar o tema, nós costumamos dizer que o Comum é uma lente pela qual desejamos enxergar novas formas de se viver baseadas em cooperação, corresponsabilização das relações, autogoverno e interdependência em detrimento de um modelo capitalista neoliberal. Delegar às mulheres as cargas relacionadas ao cuidado para além de sobrecarregá-las físico e emocionalmente, as exclui de lugares importantes na construção da cidadania como o exercício de seus ofícios gerando uma maior probabilidade de mulheres subjugadas financeiramente aos seus maridos e o impedimento da participação dessas mulheres na política, por exemplo.
O futuro que projetamos com o LA Cuida tem a ver com uma sociedade que leve todas nós em conta. Uma sociedade onde toda nós possamos estar, opinar e fazer. No LA Cuida partimos da base para a solução de problemas. O coletivo social tem muito a agregar, são a essência, são os que fazem. Como projeto, já caminhamos, reunimos 9 organizações parceiras, 220 participantes nas duas edições e 13 países atingidos.
É impossível falar de Economia do Cuidado sem racializar, no Brasil, por exemplo, carrega-se uma herança pesada do período escravagista que delega às mulheres negras maiores encargos na hora da execução do cuidado que muitas vezes é incumbido para mais de uma casa: a dela e a dos patrões. fazemos parte de um país cujo 11% do serviço de mulheres é o doméstico. É necessário falar e ouvir mulheres negras, dos 220 participantes, 97 foram pessoas autodeclaradas negras o que nos leva a concluir que temos acertado caminhos.
LA Cuida selecionou 10 projetos para esta edição, 9 deles chegaram ao final do percurso:
- 100 años del Centro Uruguay de Melo: mujeres afrouruguayas recuperando memorias de resistencia a la segregación racial: prototipado por Síria e Edith González, o trabalho propõe o fortalecimento do museu do Candombe.
- Aromas de campo: Um grupo de mulheres unidas para formar uma rede de apoio embasada no trabalho com a terra. Pessoas que sonham poder trabalhar com o cultivo e trazer para mais pessoas os princípios da agroecologia.
- Café & Pick up La Mercada: Um espaço para fomentar uma economia social, solidária e feminista.
- Espacio A: Cria um sistema de acesso e uso do espaço cultural para personas com deficiência visual.
- Casa del cuidado nocturno las grullas: Uma iniciativa idealizada em parceria com a Plataforma de Visão Noturna dirigida por Karina Nuñez que pensa na construção de um espaço de cuidado para filhos e filhas de trabalhadores noturnos para que seus pais possam trabalhar com tranquilidade.
- Mujeres con Historias – viviendas para mayores como impulso a la política publica: Objetiva criar um sistema de orientação para pessoas com deficiência visual em espaços de arte.
- Arroyo: O projeto busca defender os direitos das mulheres e a promoção de justiça ambiental a partir da recuperação da foz do Arroyo Pantanoso,uma paisagem ancestral e indígena, que no momento encontra se devastada pela poluição.
- Volver a Mi Barrio: Um grupo de familias, em sua maioria afrodescendentes e indígenas desalojada pelo terrorismo do estado do Bairro Sur y Palermo que deseja contar a verdadeira história , permitindo que todos saibam como foram tratados durante o terrorismo para que haja total reparação e reconhecimento estatal das graves violações aos direitos humanos. O relato será disponibilizado em um livro que deverá destacar a história das mulheres nesta luta.
- Círculo de cuidados- Mujeres Zafrales de Salto: Sabendo que passam pelas mesmas situações violentas e desiguais provenientes do racismo e das práticas modernas de trabalho escravo, a iniciativa busca estabelecer um espaço que fortaleça o agrupamento para o cuidado e desenvolvimento do autonomia das mulheres, através do coletivo.
Algumas notas que valem ser registradas aqui:
LA Cuida Uruguai em números:
Total de 96 participantes, sendo:
59 participantes diretos (proponentes e colaboradoras/es)
11 convidadas externas/parceiras
26 de equipe LA Cuida (facilitação, mentoria, cuidadoria, produção e comunicação)
9 projetos prototipados
- Temos em nossas metodologias a importância do olhar territorial, durante os dias de imersão a equipe propulsora do laboratório pôde visitar três modelos de projeto base territorial que promovem diferentes ações de cuidado no Uruguai: Arroyo Pantanoso e LatidoAfro e Tribu. Os coletivos defendem o rio e histórias indígenas, turismo e memória e cultura respectivamente.
- Latido Afro – Visibilizar e dar valor ao patrimônio imaterial da população afrodescendente, fundamental para a construção identitária de Montevidéu. O projeto tem como ponto alto o fato de que cada ponto histórico catalogado será descrito por pessoas com protagonismo histórico referente a ele. Os proponentes (Adrielle Santos da Secretaria de equidade etnico racial da população imigrante na intendência de Montevidéu) destacam que essas histórias estão invisibilizadas na história oficial do país, portanto, a iniciativa é uma forma de reparação.
- O batuque do Candombe, reconhecido pela ONU como patrimônio cultural e imaterial, deu ritmos às celebrações que conectavam uma ação a outra. Como reconhecimento, o Sendero de Cuidados foi batizado com o nome de Edith González, mestre de Candombe presente no laboratório. Nós entendemos que memória e dança também são locais de manutenção de saúde e cuidado.
- Durante o ano de 2023, em especial neste período mais pulsante do laboratório, tivemos a oportunidade de levar o tema para diversas mesas de debate, Georgia Nicolau, Diretora de Parcerias e Institucional do IP, falou a respeito do tema para na Semana Nacional da Inovação promovida pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP e no encontro junto Confederação Nacional de municípios – CNM . Victor Marinho representou a nossa equipe no Encontro Nacional de Inovação no México onde falou sobre inovação e economia do cuidado, para saber mais a respeito, acesse a matéria no link.
- O Uruguai é um país com tensões raciais bastante peculiares e embora o contexto histórico faça do Uruguai um país majoritariamente branco (87% dos autodeclarados), a maior parte dos projetos intencionou o reavivamento da cultura negra.
- Soledad Maria, coordenadora do projeto, menciona que enxerga um grande potencial de continuidade para os projetos colocados.
“LA Cuida ativa uma sociedade Comum e uma sociedade de cuidado que a gente almeja. Quando estamos criando aqui, também estamos pensando em cidades cuidadoras, as cidades cuidadoras são ambientes seguros onde as pessoas podem conviver e prosperar juntas. Ter um mundo onde “cabe” todo mundo é muito revolucionário comparado ao mundo onde todo mundo tá puxando o tapete de todo mundo porque o capitalismos projeta para nós que na hierarquia só cabe mais um. Só vemos competitividade, pressão, pressão e aceleração. A gente passa de uma pecinha produtiva para um mundo onde todos são valorizados na sua individualidade, no seu saber. As pessoas importam, seus saberes importam e acima de tudo. Aqui é uma mudança drástica de perspectiva de mundo e de sonhos.” Lia Lopes, Gerente de Expansão e Impacto do Instituto Procomum
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